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5 raps entre amigos no dia da amizade

“Quem é que não tem um amigo?”. Não, não é Criança Esperança, e sim uma pequena celebração ao Dia da Amizade. No dia 20 de julho é comemorado em diversas partes do mundo o Dia do Amigo. Aqui no Brasil, essa data é celebrada dia 18 de abril, então pra não perder o rumo da prosa, ficamos com o Dia da Amizade, em julho.

Controvérsias a parte, o Per Raps aproveitou a desculpa e fez uma pequena lista com músicas que foram feitas por parceiros musicais no rap, mas que também são amigos na vida. Para não ficarmos presos a estilos (underground, pop, comercial, gangsta ou sej ao que for), tentamos focar nos sons que foram importantes para o rap de alguma forma, já deixando claro que essas escolhas darão brecha para discussão: “Vocês esqueceram essa! Mano, como esqueceram aquela? Pô, esse Per Raps só dá falha!”.

Mas a ideia é que cada um lembre de uma bela parceria e mande nos comentários, assim teremos no final uma enorme lista de grandes raps feitos por amigos. Bóra?

*Props Oga Mendonça, Zeca MCA e Fióti.

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Xis e Dentinho, “De Esquina”
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“Esquina paranoia delirante”, essa frase ecoou por festas e quebradas por muito tempo, além de ter reverberado até de forma acústica após um convite que Cássia Eller fez a Xis, em 2001. A música originalmente faz parte da coletânea “O Poder da Transformação” (Paraddoxx, 1997) e o single vendeu cerca de 8 mil cópias em apenas seis meses.

Em entrevista à revista +Soma, Xis contou como a música começou a estourar: “A gente colocou ‘De Esquina’ na 24 de Maio (rua que concentra galerias com lojas de discos no centro de SP), demos de mão em mão e a música começou a estourar cada vez mais.”

SP Funk com RZO e Sabotage, “Enxame”
http://raps.podomatic.com/enclosure/2010-07-19T15_32_38-07_00.mp3″

O clipe desse som era presença constante no finado Yo! Raps MTV, um dos sucessos da madrugada. “Enxame” apresenta bem o grupo que foi apadrinhado por nada menos que Thaíde & DJ Hum já em seu primeiro álbum, “O lado B do Hip-Hop” (2001), que apareceu com rimas inusitadas e analogias complexas para a época. Por si só já é um som de peso, mas contando ainda com a participação de Sabotage, Helião e Sandrão, criou um clássico instantâneo.

“A amizade vai fortalecer, você vai ver/ Nem que eu tenha que exercer, meu proceder” (Sabotage em “Enxame”).

Marcelo D2, Aori e Marechal, “L.A.P.A.”
http://raps.podomatic.com/enclosure/2010-07-19T15_25_32-07_00.mp3″

L.A.P.A. foi lançada no CD “Meu Samba é Assim” (2006), que veio logo depois do grande sucesso de “A Procura da Batida Perfeita”. Os três MC’s que aparecem nessa rima são parceiros de longa data; Aori e Marechal se conheceram por meio de Black Alien há cerca de 10 anos, Marcelo D2 conheceu Aori por seu trabalho e o convidou para sua primeira turnê como artista solo.

Já Marechal trabalhou com D2 no acústico feito para a MTV. O trio chegou a fazer outros sons, juntos e separados, entre elas “Sábado Zoeira” (Marcelo D2 , Aori & Marechal), “Loadeando” (Marcelo D2 e Marechal) e “Voo dos Dragões” (Marechal e Aori).

Mano Brown e Dom Pixote (U-Time), “Mente do Vilão”
http://raps.podomatic.com/enclosure/2010-07-20T07_33_24-07_00.mp3″

A dupla foi apresentada em meados de 2005 juntamente com o Sabotage e o RZO, durante um dos ensaios da Escola de Samba Vai-Vai. Foi nesse dia que Brown falou para Pixote que o Rap estava precisando de gente como ele, que ele deveria voltar a rimar. Eis que o MC voltou! Vez ou outra chamado por Brown de Fiote, Dom Pixote aprendeu a ouvir Racionais com o irmão mais velho, já falecido.

Hoje os dois MC’s são amigos e parceiros de rima, acumulam produções juntos e atuam no Big Ben Bang Johnson. O som “Mente do Vilão” foi lançado em 2009 e deverá fazer parte do novo trabalho dos Racionais MC’s, que deverá sair ainda em 2010.

Emicida, Rashid, Projota e Fióti, “Ainda Ontem”
http://raps.podomatic.com/enclosure/2010-07-20T11_41_00-07_00.mp3″

Emicida é irmão de Fióti e os dois conheceram Rashid e Projota por volta de 2005 lá na Galeria Olido, no saudoso Microfone Aberto apresentado por Kamau. A música “Ainda Ontem” foi ideia inicial do Rashid, que chegou com o refrão, mostrou para seus amigos e parceiros que ficaram vidrados na hora. Começaram a escutar um disco do Dom Salvador para ter mais ideias e deixar o som com uma cara bem brasileira. A energia desse projeto foi tão boa que Rashid convidou Emicida e Projota para cada um escrever 8 linhas e criar a faixa juntos.

O Fióti entrou na história quando acompanhava a produção da música e involuntariamente começou a tocar no ritmo do beat com seu cavaco e impressionou quem ouvia, depois disso não teve como deixá-lo de fora. “Ainda Ontem” faz parte da mixtape “Pra quem já Mordeu um Cachorro por Comida, até que eu Cheguei Longe”, de 2009. A música traz os mais jovens dessa lista e representa o futuro promissor do rap.

Homenagem: Black Alien & Speed Freaks

Quem é que nunca ouviu um som da dupla de MC’s mais conhecida de Niterói (RJ)? Apesar de Black Alien não lançar nada novo faz um tempo, essa lembrança serve de homenagem a memória de Speed, assassinado no início de 2010. A dupla trabalhava junta desde 1993 e tem diversas músicas no currículo. Destacamos aqui uma delas, “Krishna Budahh”, em um dos raríssimos videos dos dois encontrados na web. Speed Freaks, Rest in Peace!

Menção honrosa: “Dominum” (Non Ducor Duco, 2008)  de Kamau e Parteum + Rick; “Zulu/Zumbi“(Velha Guarda 22, 2007) do Mamelo Sound System e Nação Zumbi (Jorge Du Peixe), “Destruir” (Ordem de Despejo, 2008) do Subsolo, “Um Cara de Sorte” (CD quase inteiro) do Enézimo, “Amigos”, Slim Rimografia.

Comente e nos ajude a lembrar de grandes parcerias entre amigos no Rap!


Linha do tempo do rap nacional (parte III)

Segue a terceira e derradeira parte da nossa linha do tempo do rap nacional, que inclui algumas de nossas previsões para o ano de 2010. Saca só:

2008 – Pouquíssimos lançamentos de discos marcaram o ano. Entre eles, o que mais chamou a atenção foi o primeiro disco solo de Kamau, Non Ducor Duco, que fez parte da lista dos melhores 25 álbuns do ano pela revista Rolling Stone. Aos 45 minutos do segundo tempo, nos últimos dias do ano, o Pentágono veio com seu segundo disco, Natural, firmando o grupo como um dos principais expoentes da nova escola.

Com o disco de Doncesão, chamado Primeiramente, Dj Caíque se firmou na cena rap nacional como um dos grandes produtores do momento, além de liderar o selo 360 Graus Records, que já se mostrou muito produtivo nos primeiros anos de existência, proporcionando diversos lançamentos. Ainda falando de produção musical, o ano foi marcante para a cena de Curitiba, que se mostrou bastante proeminente, com destaque para os beatmakers Dario e Nave, responsável pelo instrumental da música “Desabafo”, do disco A Arte do Barulho, de Marcelo D2, uma das canções mais executadas do ano em todo o país.

O ano marcou também a perda de um dos nossos melhores disc-jóqueis e um dos grandes agitadores da cena nacional, o Dj Primo, vítima de uma pneumonia. Primo era também o Dj residente do recém criado programa Manos e Minas, na TV Cultura, primeiro espaço criado na televisão brasileira desde o fim do Yo! MTV.

DJ Primo

DJ Primo (foto retirada do blog do Jornal do Brasil)

Outros álbuns importantes: RenegadoDo Oiapoque a Nova York; SombraSem Sombra de Dúvida; Projeto ManadaUrbanidades; Enézimo – Um cara de sorte; Subsolo – Ordem de Despejo;

2009Emicida é o nome da fera, o dono de 2009. Ele já começou o ano com o status de “melhor MC de freestyle” do país e, com o lançamento da mixtape Pra quem já mordeu um cachorro por comida, até que eu cheguei longe – parafraseamos aqui o próprio e confirmamos – chegou ainda mais longe. Concorreu a prêmios na MTV, concedeu dezenas de entrevistas (tanto para a mídia alternativa quanto para a ‘grande’ mídia) e fez shows pelo Brasil inteiro. Indiretamente, trouxe fôlego para a cena e teve um papel fundamental para que outros artistas do gênero ganhassem espaço em casas de shows e afins.

Big Ben Bang Jhonson

O rapper MV Bill também teve um ano bem agitado em 2009: lançou o DVD ao vivo com banda Despacho Urbano, além de alguns clipes novos e diversas aparições na grande mídia. Outra novidade que balançou os ânimos dos fãs de rap foi a criação do coletivo Big Ben Bang Johnson, grupo idealizado especialmente para shows ao vivo e que conta com alguns dos principais representantes do rap paulista: Mano Brown, Ice Blue, Helião, Sandrão, Dj Cia, Dom Pixote, Du Bronks, entre outros.

O ano deixou a desejar, mais uma vez, na questão dos lançamentos, com pouquíssimos discos inteiros colocados na rua. A escassez pode indicar também uma mudança de tendências do mercado musical, com a criação e utilização de novos formatos, mas é algo que só teremos a confirmação nos próximos anos. Em compensação, tivemos ótimos videoclipes. O rap acompanhou a tecnologia da alta definição e lançou pérolas como Qui nem Judeu, de DBS e a Quadrilha, Picadilha Jaçanã, do Relatos da Invasão, É o Moio e Multicultural, do Pentágono, Triunfo, de Emicida, Sol, de Slim Rimografia, e O Tempo, do Casa di Caboclo, todos contando com uma excelente produção e se equiparando ao que de melhor existe em termos de videoclipe na música brasileira.

2010 – O fim do ano chegou e, com ele, as promessas de que 2010 será ‘o ano do rap’. Todos os (pelo menos) últimos dez anos foram anunciados por alguém como ‘o ano do rap’ e alguns deles realmente chegaram perto de se tornar realidade. O momento porém, não é dos mais propícios. O rap perdeu espaço nas periferias do país para o funk e o sertanejo, por exemplo, músicas com maior apelo popular. No entanto, a cena se encontra em um momento muito especial, tanto pela sua capacidade criativa, quanto pela sua imagem perante à mídia e à população em geral.

Durante este ano, não foi nada raro encontrar pessoas de estilos totalmente diferentes daqueles que estamos acostumados a ver em shows de rap. O rap está se tornando mais interessante pra muita gente. Porém, o público-alvo, que sempre foi a periferia, se diluiu bastante, e a periferia pouco conhece e acompanha o tipo de música que estamos acostumados a divulgar aqui no Per Raps, por exemplo. Como resgatar esse público? Não sabemos a resposta, mas o disco novo dos Racionais, prometido para 2010 por Mano Brown na entrevista para a Rolling Stone, pode ajudar a formular esse quebra-cabeça.

Fora esse, outros vários discos são aguardados ansiosamente pela cena, muitos deles com potencial para colocar a engrenagem para funcionar a todo vapor novamente. Entre os principais, estão o do RZO, Marechal (RJ), Don L., do Costa a Costa (CE) e um disco póstumo de Sabotage. Mas há muita gente surgindo por aí e a promessa é a de um ano recheado de bons lançamentos.

Nossas apostas?

Ataque Beliz (DF)

Criolo Doido

Gasper (GO)

Ogi

Rashid

Rincon Sapiência

Savave (PR)


Linha do tempo do rap nacional (parte I)

A história do rap no Brasil, desde o começo do bate-latas na Estação São Bento do metrô, em São Paulo, já tem mais de 20 anos. Porém, foi de uma década pra cá que o gênero começou a se popularizar e ganhar adeptos dos mais diferentes estilos e origens sociais. Faremos aqui, inspirados em matéria da ótima The Find Magazine, uma linha do tempo começando de 1999 (10 anos atrás) para tentar situar os mais novos e relembrar os mais velhos sobre o que de mais importante aconteceu envolvendo o rap no país, inclusive em sua relação com a mídia.

Lembrando que não temos a pretensão de fazer deste artigo a “retrospectiva definitiva” e corremos o grande risco de  estar esquecendo ou supervalorizando alguns fatos, baseados em nossa localidade (São Paulo), opinião e experiências pessoais. Mas vamos lá:

1999 – O rap nacional havia acabado de ganhar notoriedade com os Racionais MC’s, que lançaram o clássico “Sobrevivendo no Inferno” dois anos antes e foram os grandes vencedores do prêmio VMB, da MTV, no final de 1998, na categoria Escolha da Audiência. A música Diário de um detento foi exaustivamente tocada na grande mídia e alçou o grupo a um patamar nunca antes conhecido por um artista do gênero. O rap esteve em evidência também com MV Bill, que fez uma apresentação bombástica no Free Jazz Festival com uma arma na cintura e chocou o país levando o canto dos excluídos ao alcance da elite, apresentando músicas de seu primeiro trabalho, “Traficando Informação”, que fora lançado no ano anterior.

Além disso, 99 foi o ano em que nasceu a Academia Brasileira de Rimas, um dos grupos pioneiros do rap alternativo, referência até hoje, formado inicialmente por Akin, Kamau, Max B.O. e Paulo Napoli, e que ganhou alguns integrantes a mais durante sua breve, mas importante história. Também foi nesse ano em que ocorreu o Du Loco, evento pioneiro no Brasil que reuniu estrelas do rap internacional como Afrika Bambataa, Common Sense, De La Soul e Jungle Brothers. Foi o pontapé inicial para o que vem a ser hoje o festival Indie Hip Hop, realizado todos os anos desde 2002 no Sesc Santo André, em São Paulo.

Mv Bill por Ralf Sorgi (flickr.com/photos/ralfsorgi)

Mv Bill por Ralf Sorgi (flickr.com/photos/ralfsorgi)

Outros álbuns importantes: De Menos CrimeSão Mateus pra Vida; Facção Central – Versos Sangrentos; Face da MorteO Crime do Raciocínio; JigabooAs aparências enganam; Planet HempA invasão do sagaz homem fumaça;

2000 – Foi o ano de Xis. O paulista da zona leste havia lançado o disco “Seja Como For” em 99 pela 4P, seu selo ao lado de Kl Jay, dos Racionais, e ganhou o VMB com o melhor clipe de rap, pelo vídeo de Us mano, as mina. Com isso, ganhou visibilidade e relançou o disco pela Trama em 2000. Foi nesse ano também que a dupla de presidiários Afro-X e Dexter lançou o primeiro trabalho do 509-E, o elogiadíssimo “Provérbios 13”, diretamente do Carandiru para o resto do Brasil.

A banda de Recife (PE), Faces do Subúrbio, lançou o disco “Como é Triste de Olhar”, chamando a atenção do resto do país para o som permeado por elementos regionais (principalmente a embolada) e de outras vertentes musicais como rock e funk. Mais tarde, eles seriam destaque novamente, concorrendo ao Grammy Latino.

Acontecimento importante (e lamentável) também foi, cinco anos após o fim da ditadura, a censura da música e do videoclipe de Isso aqui é uma guerra, do grupo Facção Central, sob alegação de apologia ao crime, que gerou discussões sobre ética e glamourização da violência nos meios de comunicação.

O ano também marcou o início do Prêmio Hutuz, realizado no Rio de Janeiro, a maior premiação especializada em hip hop do país e que terá sua última edição agora em 2009.

Outros álbuns importantes: Doctor Mc’s – Mallokeragem Zona Leste; GOG – CPI da Favela; Ndee Naldinho –Preto do Gueto; Thaíde e Dj Hum – Assim caminha a humanidade; A.R.M.A.G.E.D.O.N.A.R.M.A.G.E.D.O.N.

2001 – Foi a vez de um outro grande ídolo nascer para o público. Com malandragem e desenvoltura únicas, Sabotage lançou seu primeiro disco solo, “Rap é Compromisso”, indiscutivelmente um dos melhores álbuns da década, e ganhou a simpatia de grandes expoentes da mídia brasileira. Além dele, Rappin Hood, o “negrinho magrelo com uma mancha no olho”, que já havia feito muito barulho com a música Sou Negrâo, uma ousada mistura de rap com samba, se estabeleceu definitivamente no cenário com seu disco de estreia, “Sujeito Homem”.

Um outro trabalho muito importante de 2001 foi o “Lado B do Hip Hop”, do grupo SP Funk, que trazia uma temática diferente nas letras, recheadas de metáforas e irreverência. Seguindo essa linha, outro trabalho que merece destaque, mais pela representatividade do que popularidade, é o “Produto Mentalfaturado”, do Ascendência Mista, grupo formado por Munhoz, Venom e Zorack. Foi um dos primeiros discos do chamado “rap alternativo” brasileiro, com letras e produções bem diferentes das que estávamos acostumados a ouvir na época.

Outros álbuns importantes: Potencial 3O melhor ainda está por vir; Apocalipse 162ª Vinda – A cura; Facção CentralA Marcha Fúnebre Prossegue; SNJSe tu lutas, tu conquistas; Kl Jay na batida vol. 3

2002 – O ano de 2002 foi marcado por uma grande produção de rap nacional, com músicas influenciadas por samba, soul e MPB. Foi um ano em que surgiram dezenas de boas novidades, mas nada alcançou o barulho que fez o disco duplo dos Racionais MC’s, “Nada Como um Dia Após o Outro Dia”, que consagrou o grupo como hors concours do gênero.

O rap estava na mídia como nunca conseguiu chegar de novo no Brasil: Sabotage destacou-se por emplacar a trilha sonora do filme ‘O Invasor’, de Beto Brant; Xis fez barulho com a participação na Casa dos Artistas; Nega Gizza foi a primeira mulher a fazer sucesso no estilo, com o disco “Na humilde”.

Além disso, tivemos o estouro na internet do coletivo Quinto Andar, um dos precursores da mistura de rap com jazz no Brasil. Com integrantes de várias partes do país, o grupo ganhou notoriedade rapidamente e até concorreu ao Hutuz como revelação, no mesmo ano. Ainda falando de rap alternativo, o clássico grupo Consequência, formado por Kamau, Sagat e Dj Ajamu, lançou neste ano o EP Prólogo, disco marcante por também apresentar novas possibilidades para a criação de música rap no país. Também foi o ano de estreia do festival Indie Hip Hop.

Um ponto negativo e que fez com que o rap começasse a perder um pouco de espaço foi a invasão das chamadas festas Black, onde o rap nacional começou a ser deixado de lado pelos Dj’s, preteridos pelos R&Bs dançantes  dos rappers americanos, que viraram uma febre entre os jovens do país.

Outros álbuns importantes: 509-E – MMDC (2002 Depois de Cristo); Da GuedesMorro seco mas não me entrego; DMNSaída de Emergência; MV BillDeclaração de Guerra; Z’Africa Brasil – Antigamente quilombos, hoje periferia

2003 – O ano começou com a triste morte de Sabotage, que foi assassinado na zona sul de São Paulo, e iniciou um processo de decadência no rap brasileiro. Se, assim como nos EUA, por aqui também tivemos uma Golden Age, podemos dizer que nossos Anos Dourados foram do fim da década de 90 até 2003. De qualquer forma, continuamos tendo alguns bons lançamentos, como o “A Procura da Batida Perfeita”, segundo disco solo de Marcelo D2, que fez sua carreira decolar definitivamente.

Marcelo D2 por Deco Rodrigues (flickr.com/photos/decorodrigues)

Marcelo D2 por Deco Rodrigues (flickr.com/photos/decorodrigues)

Outra boa novidade foi o “Evolução é uma Coisa”, segundo disco do RZO, que apresentou ainda uma legião de novos rappers, integrantes da chamada Família RZO, entre eles: DBS, Marrom, Nego Vando, Negra Li, Negro Útil, Pixote e o próprio Sabotage. O grupo, inclusive, integrou no fim deste mesmo ano o evento Hip Hop Manifesta, em Floripa e no Rio de Janeiro, patrocinado por uma marca de cerveja e que causou muita polêmica no meio do rap, com alguns artistas (como os Racionais) sendo contrários à participação. Este também foi um momento chave para entendermos o distanciamento do rap com a grande mídia que ocorreu nos anos posteriores, pois foi mais um dos fatores que contribuíram para esse “esfriamento”.

Outros álbuns importantes: Mzuri SanaBairros, cidades, estrelas e constelações; Mamelo Sound SystemUrbália; DBS e a QuadrilhaO Clã da Vila; B Negão e os Seletores de FrequenciaEnxugando Gelo; Clã NordestinoA peste negra; DMNEssa é a cena; Facção CentralDireto do Campo de Extermínio; Consciência HumanaAgonia do Morro; Slim Rimografia – Financeiramente Pobre

Atualizado em 08/11/09.

Continue acompanhando o Per Raps para conferir as outras duas partes desta matéria…


A História do Indie Hip Hop no Sesc – Parte II

Além de MC e produtor de eventos nas horas vagas, Rodrigo Brandão é ainda um dos maiores conhecedores de hip hop do Brasil, e tem contato direto com monstros da história da cultura, como o próprio Afrika Bambaata. Por esse e outros motivos, sua opinião sobre o atual momento do hip hop no país deve ser considerada essencial para entendermos a época de ‘vacas magras’ em que o hip hop se encontra por aqui.

Na segunda parte da matéria exclusiva com ele, você confere, além dessa visão, outras informações sobre a edição do festival Indie Hip Hop deste ano, que terá a participação de Talib Kweli, e ainda uma novidade sobre o eterno Sabotage, considerado por Brandão um dos padrinhos do festival. Para os fãs do grupo Mamelo Sound System, ele adiantou que sua parceira Lurdez da Luz está finalizando um EP de nove músicas, que será lançado no ano que vem.
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Preconceito

“Sempre existiu muito preconceito em relação ao hip hop, que muitas vezes até se justifica, por um pensamento recorrente de: ‘ah não, esses boy tão vindo aqui pra tomar’, existe muito ainda esse tipo de atitude. Fora isso existe, do outro lado, preconceito mesmo com o hip hop, com rap, por parte de quem é de fora, do olhar exterior. Por um lado interno do hip hop ainda existe muita má organização, muito preconceito, muita falta de noção de que as coisas tem quem andar pra frente e você tem que se relacionar.

Se você for parar pra pensar, tanto musicalmente quanto em termos de atitude mesmo, pensando em grana, o hip hop lá fora só virou grande do jeito que está hoje porque foi aprendendo ao longo dos anos a englobar informação e samplear estilos de música cada vez mais variados, e ainda valorizar a coisa nova, a coisa ‘fresh’. Aqui no Brasil é o contrário.

Mano Brown fotografado nos batidores de um show por João Wainer

Mano Brown fotografado nos batidores de um show por João Wainer

O tempo todo, até hoje, a maioria das pessoas tá tentando imitar o Racionais, que é do caralho, eu sou fãzasso dos caras, original pra caralho, mas o melhor jeito de você ser fã de Racionais é você se espelhar na atitude, na independência, no histórico dos caras, mas tentar espelhar aquilo ali dentro do que você é. Eu amo o Mano Brown, é o meu herói com certeza, mas eu vou meter uma bombeta igual à dele, vou falar as gírias iguais a dele? Não vou, vai ser ridículo, vai ser até pior porque eu vou estar tentando sugar o que o cara é e tentar me aproveitar do que ele conquistou.

E aí, enquanto isso não acontecer, realmente os caras que tão olhando de fora vão ter razão de olhar com preconceito pro hip hop. Junta isso ao que aconteceu na Sé no ano passado, aí fodeu. Porque o que aconteceu? O rap já era considerado esquisito naquela época, mas tinha uma coisa que era super popular, que é o Racionais. Eu estava no palco, vi o que aconteceu e foi bola cantada na caçapa.

Naquele dia, a polícia de São Paulo foi ali pra bagunçar, tava ali pra criar um evento que tornasse a situação do Racionais e conseqüentemente do hip hop em geral, muito pior. Porque é um troço que é contestador, que não se curvou, e aí pensaram: ‘os caras vão cantar na Sé no palco principal do maior evento de cultura da cidade…então agora mesmo que nós vamos acabar com isso aí!’.

E o que a gente ouve falar, não é uma informação que alguém do Racionais me falou, é que eles tão tendo dificuldade pra marcar show. E isso se reflete em toda a história, ninguém está conseguindo marcar show de rap. Contratante de rap lembra do episódio com a polícia, pensa que vai dar errado. Infelizmente isso ecoa e o que acontece é que o grupo mais importante, que chegou mais longe fazendo rap no Brasil, agora se vê numa sinuca de bico. E se eles que são a ponta de lança da história estão travados, tudo que vem atrás está travado também.

Então o hip hop no Brasil está numa situação extremamente complicada, em termos de conseguir sobreviver mesmo. E nas periferias, com a invasão do funk, o que acontece é que o pessoal do funk aceita o rap, mas o pessoal do rap não aceita o funk, então tende ao lance do hip hop ficar cada vez mais apertado, cada vez mais fechado.

Indie Hip Hop / Trabalho

A verdade é que o festival já me toma muito mais tempo do que eu gostaria. Se tiver que partir de mim essa idéia de ampliar, fazer outra edição, levar pra outro estado, aí que eu não vou fazer meu som mesmo. E na verdade, tudo que me move é fazer música. O meu sonho é que existisse um circuito de festivais de rap e também de outro tipos de som que englobassem o hip hop, e eu não precisasse fazer isso.

Eu acredito na parada da seguinte forma: se eu tenho a oportunidade de fazer, eu vou fazer até onde der pra mim, porque eu já estou fazendo mais do que eu gostaria, entendeu? Se eu pudesse, queria estar fazendo turnê do Mamelo pelo Brasil inteiro. Ao mesmo tempo, se você tem paixão por uma cultura e enxerga isso, um pouco eu vou fazer, mas eu não vou parar minha arte, aquilo que eu acredito, pra virar arauto de uma cultura.

Querendo ou não, é uma cruz que eu tenho que carregar também. O ano inteiro chega gente pedindo pra tocar no Indie, pedindo pra participar, quando na verdade o lema é: não dá pra ajudar quem não se ajuda. Tipo assim, quem tá fazendo o seu trabalho corretamente e direito, é natural acabar sendo convidado.

Enéas aka Enézimo lançará o CD "Um cara de Sorte" no Indie 08'

Enéas aka Enézimo lançará o CD "Um cara de Sorte" no Indie 08'

Vou te dar um exemplo palpável disso, que é a rapaziada de Santo André, do Pau-de-dá-em-Doido. Eu já conhecia o Enéas de muito tempo, ele é do Armageddon, aí no ano passado a gente foi fazer um show do Mamelo na prefeitura de Santo André, num projeto que chama Canja Com Canja. Aí chegou o Enéas, me entregou a mixtape do Pau-de-dá-em-Doido e falou: ‘a gente acabou de lançar. Escuta aí!’. E eu falei: ‘valeu’. Ele não virou pra mim e falou que queria tocar, que isso, que aquilo.

Aí eu escutei o trampo, achei bacana, apresentei pro pessoal do Sesc, eles também gostaram. Os caras foram, entraram no elenco do festival, fizeram um show do caralho, uma puta surpresa pra quem não conhecia o trabalho deles, se destacaram. Esse ano os caras continuam na correria, então é gente que tá trabalhando e é natural que isso acabe crescendo e ecoando.

Isso é a coisa de uma cultura, de uma teia de gente trabalhando pra coisa funcionar. E acho que enquanto não tiver mais Enéas, mais Kl Jays, mais Djs Natos, mais Rodrigos e mais Per Raps, o bagulho não vai rolar, tá ligado? Eu acho que quando tiver todo mundo trabalhando pra coisa dar certo, aí sim a gente vai se encontrar e dominar os espaços que existem pra ser dominados.

Eu acho que a coisa tem que partir mais nesse sentido de: ‘o que eu posso fazer pra crescer o meu e o de todo mundo?’. O Kl Jay é um exemplo disso. Ele poderia ter feito uma mixtape só com música gringa, ou até com algumas coisas nacionais, mas não, ele fez questão de fazer só com música brasileira e ainda chamou um monte de gente que não está nos vinis que ele usou pra participar também.

Kl Jay, um exemplo a ser seguido no Hip Hop (divulgação)

Kl Jay, um exemplo a ser seguido no Hip Hop (divulgação)

O cara criou oportunidade pro trabalho de um monte de gente ser mostrado dentro do trabalho dele. Esse é o tipo de mentalidade. Ele vai parar de discotecar, de fazer o Sintonia, pra produzir evento? Não vai. Mas vai, dentro do possível, produzir evento que ele possa participar e trazer mais gente, o meu ponto de vista é o mesmo.

O que mais falta é gente trabalhando pro hip hop. Ao mesmo tempo que é legal que a coisa é muito de rua, tem essa falsa aura de facilidade, que é só pegar um mic, rimar Brandão com sangue bom e já era. E na verdade não é isso, existe toda uma história de lírica de rap, de fonética, de dialogar aquilo com uma musicalidade, porque senão vira um discurso só, tem ainda a coisa de habilidade de Dj, e tudo isso tem uma sintonia fina que faz parecer fácil mas que é muito difícil.

Tem uma música do Beans de uns anos atrás em que ele fala isso, o problema é que tem “too many emcees and not enough listeners” (“muitos MCs e poucos ouvintes”). Tem muita gente querendo ser artista e poucos fãs, pensando: ‘pô, eu gosto do bagulho então vou trabalhar com isso, vou produzir evento’. É essa história.

O hip hop é uma cultura que nasceu de uma atitude de você fazer as coisas por você mesmo, e agora chegou num ponto que tá ao contrário, nego tá querendo ser carregado no colo e não fazer nada por si mesmo. Acho que as pessoas que tão chegando agora tem que sacar de pensar: ‘beleza, isso aqui mexeu comigo de certa maneira a ponto de eu querer fazer parte disso, então eu vou buscar retribuir pra cultura, além de só buscar tirar da coisa’.

Critérios

A partir de 2005, começamos a trabalhar com uma regra: o artista tem que ter lançado um disco oficial no ano, e ter tido destaque. Nas últimas três edições, funcionou desse jeito. O grande problema é que nós estamos na era do mp3. Esse ano, quem lançou disco e fez barulho ao longo do ano foi só o Kamau, principalmente, e na seqüência o Doncesão e o Dr. Caligari, ambos com o Dj Caíque.

Então chegou uma hora que eu me reuni com um pessoal do Sesc e perguntei: ‘nós vamos usar essa regra pra ajudar ou pra atrapalhar’? Porque do jeito que estava combinado não ia dar muito certo, só iam ter esses shows aí. Então abriu-se a exceção no seguinte sentido: quem já tem uma certa relevância no cenário e vai estar com disco oficial sendo vendido no dia do evento, pôde participar. Com isso abrimos pra participação do Enézimo, do Projeto Manada e do Subsolo, que vão estar com cd à venda no Indie. O único cd que já chegou, desde o dia em que a gente marcou foi o Sombra (além de Kamau, Doncesão e Caligari). A regra tem que ser moldada de acordo com a realidade, e eu acho que o festival está se tornando até mais do que uma coisa de passar quem fez barulho no ano, mas uma plataforma de lançamento.

Curitiba

Eu cheguei até a apresentar o material do Savave pro pessoal do Sesc, porque o som é bacana, o show é bacana e o formato do trampo é muito original, com o cd pequenininho. Mas aí ficou aquela história de que aquilo ali também pode ser considerado uma mixtape, e aí se abrisse, tinha vários outros trabalhos e ia complicar essa seleção.

Outro cara que foi uma pena, que eu só tive a certeza de que ele estava prensando o cd depois que o elenco já estava fechado, é o Nel Sentimentum. E Curitiba é foda porque é o seguinte, todo ano desde o Hieroglyphics os caras fecham um busão e vem. Então eles tem uma representatividade na parada e a gente tem mó vontade de colocar alguma coisa de lá e de Santo André também, que a primeira vez que teve alguma coisa foi o Pau-de-dá-em-Doido no ano passado, porque o pessoal de lá vai pra caramba e a gente tem essa vontade de dar espaço pra rapaziada até pra retribuir esse amor que vem de lá.

Alternativo x Gangsta

Pros gringos que vêm tocar aqui, em geral, o que pauta o evento é o nome do artista, a representatividade que ele tem, e o caráter do rap dele. Por exemplo, eu sou muito fã do Scarface, mas não vou tentar trazer o Scarface pra tocar no Indie, não dá né, é outro ponto de vista. É até bom deixar claro que o nosso festival é uma festival de rap alternativo, então o artista tem que ter o mínimo de identificação com essa proposta. A coisa do gangsta não nos diz respeito mesmo, até tem várias coisas que eu gosto, mas não é o caráter do Indie.

Homenagem ao rapper Sabotage pelos Racionais MC´s em 2003

Homenagem ao rapper Sabotage pelos Racionais MC´s em 2003

É aquela história, não tem como rotular a verdade de ninguém, tem cara que nasceu aquilo, viveu aquilo e a arte do cara é cabulosa. O Sabotage foi um exemplo claro disso. A lírica dele era 100% gangsta, mas o jeito que o cara fazia a coisa, a mensagem que ele passava, ele se encaixaria facilmente na proposta do Indie e eu considero ele um dos padrinhos do festival.

Eu acredito que, com a morte do Sabota, morreu muita esperança no rap brasileiro, porque ele era um cara que misturou todo mundo. Era uma época em que estava todo mundo muito próximo de um jeito que nunca aconteceu antes e nem depois. A perda dele foi maior do que só da pessoa dele, do talento e do artista cabulosíssimo que ele era, mas também foi a perda de uma pessoa que estava literalmente fazendo o equilíbrio da parada. E dia 24 de janeiro completa meia década sem ele. Cinco anos depois, não aconteceu nada.

(O produtor Rica Amabis, do Instituto, estava junto durante a entrevista e informou que o disco com músicas póstumas e inéditas do “Maestro do Canão” está na fase final de produção e deve sair até o meio do ano que vem. Aguardem.)


Entrevista – Rump

Tiago Rump acaba de lançar a mixtape digital Pós-gressivo
Rump acaba de lançar a mixtape digital Pós-gressivo (foto por Fernanda Muniz)

Imagine alguém com 22 anos, fã de Frank Miller, Michel Gondry e Machado de Assis, professor de piano e estudante de mandarim. No começo do século, seria praticamente impossível atribuir essas características e preferências a alguém que trabalhasse com rap no Brasil. Porém, trata-se do MC e produtor paulista Tiago Rump, que lançou o disco “Progressivo” no primeiro semestre deste ano e a mixtape digital – em sua própria definição – “Pós-gressivo”, alguns meses depois. 

Rump foge dos padrões e estereótipos do rap e leva consigo a característica essencial para qualquer artista – e ser humano – nesses novos tempos: a busca pelo conhecimento. O Per Raps fez uma entrevista com ele para saber um pouco mais sobre sua música, suas preferências e suas opiniões sobre alguns temas que envolvem o hip hop.

“Eu vou tentando equilibrar o quanto eu saio com os meus amigos e o quanto eu faço as minhas paradas, mas eu gosto de muitas coisas de cultura diferente, de quadrinhos, de filmes”, afirma Rump. Para ele, a arte não precisa de rótulos ou fórmulas específicas, basta apenas que tenha profundidade. “A divisão de estilo é uma coisa que o mercado precisa, mas a minha divisão é de coisas que têm profundidade, de coisas que me tocam e coisas que não me tocam”.

O rapper conta que está lendo um quadrinho de Frank Miller – “Que pra mim é um puta cara poético, um cara que escreve coisas que me tocam” – e explica que não existe diferença pra ele entre ler o quadrinho, uma ficção científica do Philip K. Dick ou um conto do Machado de Assis: “Tudo isso tem uma profundidade”, filosofa. Ainda diz que não faz diferença se está assistindo Matrix, Colateral ou um filme menos comercial e “mais cabeçudo”, todos têm profundidade. “Não importa se eu estou ouvindo um pianista que nem o Erik Satie ou um beat do Dilla, esteticamente é diferente, mas todas essas coisas têm uma profundidade, e são essas as coisas que eu busco”, explica.

O nome Rump surgiu de um som em que ele falava sobre samplear, e dizia que “transformava palha em ouro como Rumpelstiltskin”, um personagem de uma história dos Irmãos Grimm. Em suas letras, o MC se utiliza com freqüência de metáforas e figuras de linguagem como essa, dando sentido a todas elas – algo que não ocorre com tanta freqüência no rap nacional. Para isso, conta ele, suas inspirações são o que ele vive e consome no dia-a-dia.

“Eu faço o que é mais natural pra mim. Rima pra mim é um exercício de terapia, serve para eu conseguir processar tudo o que eu estou consumindo – livros, músicas, quadrinhos, filmes -, tudo que eu estou vivendo, então eu acabo falando das coisas que eu estou vendo. Se eu leio várias coisas, eu acabo criando metáforas e falando sobre isso”.

Confira trechos da entrevista:

Per Raps: Você estuda música há algum tempo. Quando e como o rap virou sua prioridade?

Rump: Desde quando eu me lembro eu faço alguma aula de música, meus pais sempre que tiveram condições me incentivaram a isso. Quando eu terminei o colegial, eu já mexia com produção de hip hop porque eu tinha feito um estágio na YB, que é um estúdio aqui em Pinheiros onde gravaram o Racionais e o Sabotage, por exemplo.

Quando eu acompanhei uma gravação do Sabotage eu ainda era novo e conhecia os caras do estúdio, porque eu fazia locução lá para propagandas. Aí eles me falaram de um cara novo, que colava com os caras do RZO, eu fiquei curioso e conheci o Sabotage. Ele cumpriu um papel muito importante na minha vida depois, nessa época que eu fazia estágio lá, que era quando eu tava começando a querer gravar as minhas coisas e foi um cara que mostrou muita coisa pra mim.

Na época eu só ouvia rap nacional, foi ele quem começou a me mostrar qualidade no rap americano. Depois disso, quando eu saí do colegial e já tinha terminado o estágio lá, foi quando eu comecei a estudar música a sério. Quando eu comecei a estudar piano, acabei focando mais na produção do que em rimar, acabou virando a parada principal pra mim, e a rima uma coisa que eu faço, mas em menor escala do que eu produzo. Produzir é mais natural pra mim, tem mais a ver comigo, mas eu não passo sem fazer rimas também. Só que pra cada rima que eu faço, eu produzo várias bases.

Per Raps: Você se sente mais preparado para produzir rap em virtude desse conhecimento musical que você já possui?

Rump: Eu acho o seguinte, se você vai produzir, você precisa ter domínio sobre as suas ferramentas. Agora, se você vai estudar música ou não, é uma opção, eu não acho que por eu estudar eu estou na frente por algum motivo. Eu acho que muita gente que não estudou música formalmente às vezes manja muito mais de música ou do tipo de música que ele está fazendo, do que alguém que estudou, ainda mais com rap.

Algumas pessoas que estudaram música da maneira mais tradicional – estudaram vários estilos: jazz, samba, rock – falam “rap é mais fácil de fazer”. Mas não é. O rap tem toda uma linguagem própria de produção, a coisa que foi criada entre 87 e 96, as viradas de bateria não são as mesmas que um baterista de funk faz, o tipo de harmonia não é necessariamente o que um cara que estudou música faz.

Você tem que estudar o estilo que você quer fazer, mas estudar não é necessariamente estudar partitura, cifra e instrumento. Tem produtores que têm um conhecimento de sample, de quem sampleou o quê, e de sonoridade, de textura de som, que é isso que vai dar o valor do som dele. Eu estudo piano porque é uma coisa natural pra mim, estudo música porque eu gosto, mas não só pra fazer rap, porque eu gosto de estudar e tocar outros estilos de música também, e acho que isso reverbera no jeito que eu faço rap.

Mas não quer dizer que eu faço rap de acordo com as convenções que eu aprendo na música popular ou que meu rap se baseia nisso. Isso entra do mesmo jeito que quando eu leio um livro, isso acaba entrando na minha rima, mas não é que eu tô tentando por isso. Todo o conhecimento que você soma, isso vai entrar no seu som e no produto artístico que você fizer.

Per Raps: Você comentou que produz muito mais do que escreve. O que você faz com todas essas produções?

Rump: As bases ficam guardadas. Já passei bases para outros MC’s e já fiz freelances de produção de trilhas para publicidade. Pretendo continuar fazendo as duas coisas. Também tenho vontade de produzir artistas de outros estilos e de trabalhar com trilhas para cinema.

Per Raps: Como você define seu estilo de produção? Em quem você mais se espelha e quem você acha que está se destacando mais nessa área, no Brasil e fora dele?

Rump:
Eu sou um Dillasciple assumido. J Dilla mudou minha maneira de ver a música. Não é uma questão de se inspirar apenas esteticamente, mas de entender a abordagem dele da arte de fazer beats. Me inspiro também em outros produtores de hip-hop como Pete Rock, Premier, Kev Brown, RZA e Madlib, mas atualmente vejo meu som mais próximo de caras como Sa-Ra Creative Partners, Georgia Anne Muldrow, Erykah Badu (nos dois últimos discos) e J*Davey, e acho que eles emprestam muito do Dilla também.

Per Raps: Você considera a aparelhagem que você tem suficiente para fazer música de qualidade? Qual a importância do equipamento para um produtor?

Rump:
Acho que a música é sempre fruto do que temos disponível, e também do que não temos. Eu tento investir o dinheiro que posso em equipamento, mas eu diria que o que usei até agora para fazer minha música é relativamente simples. Acho que o domínio que se tem de um equipamento ou de um instrumento faz mais diferença na qualidade da música do que o fato de usar esse ou aquele sampler, esse ou aquele software.

Per Raps: Fale um pouco sobre o “Pós-Gressivo”.

Rump:
Acho que ele seria uma mixtape digital. Ele não tem a seriedade nem é coeso como um álbum, que nem eu tentei fazer com que o “Progressivo” fosse, mas é uma série de faixas, com algumas que já estavam prontas na época do “Progressivo” e eu acabei optando por não pôr. Tem coisas que são remixes do disco que eu fiz na época, e tem coisas que eu fiz depois mas que eu não queria que entrasse no próximo disco ainda.

Tem músicas que são versões alternativas pra músicas do próximo disco, é um remix que está saindo antes do original. Eu fiz tudo em casa, levei pro estúdio do Venom, do (ProjetoManada, a gente masterizou e mixou tudo em uma tarde.

Per Raps: Você disponibilizou o disco no seu blog

Rump:
O “Progressivo” vendeu menos em seis meses do que foi baixado em um mês. As pessoas não querem mais pagar por música, todo mundo tá acomodado. Eu tento comprar o que eu posso, mas eu mesmo baixo muito mais música do que eu compro porque eu não tenho dinheiro pra comprar tudo que eu quero ter. Mas eu tento comprar tudo que eu gosto, e isso não é um ato de caridade, eu compro porque eu acho que faz diferença você ouvir um som em alta definição. A gente vai ficando com o ouvido viciado de ouvir mp3.

Você ouve tudo em baixa definição, aí quando você vai trampar num som, você ta acostumado com aquela compressão de mp3, todo mundo ouve mp3 de baixa qualidade. Eu me importo em ouvir a música em alta definição, gosto de ter o disco ou o CD – eu não gosto só de vinil, gosto de CD também – e gosto de ter o encarte, acho que a arte complementa a música às vezes.

Agora, quando eu vi meu disco em um blog, disponível para ser baixado em 128 kbps, em baixa qualidade, eu resolvi que ia por no meu blog em alta qualidade. Se as pessoas vão baixar, eu prefiro que elas baixem do meu blog, em uma qualidade boa. Eu botei as informações técnicas do disco junto, botei meu disco de uma maneira decente pra ser baixado na internet. Quem quiser comprar, quem se importa com a parte física, vai comprar, quem só quer ter o mp3 pra ouvir no Ipod, vai baixar.

Per Raps: Você chegou a falar com alguém do blog onde você viu o seu disco?

Rump:
Se eu fosse reclamar com o pessoal do blog, seria confundir o sintoma com a doença. De que adiante eu comprar briga com o cara se daqui um mês outro cara vai por, e eu vou fazer o que? Sair correndo na internet atrás de todo mundo?

Per Raps: Qual é a solução?

Rump:
A gente está num ponto de transição. Há cinco anos, há seis anos, tinha uma forma simples de se fazer música. Você faz, grava numa mídia – geralmente o CD – e coloca na rua. Seja por gravadora, seja independente, mas era isso. Aqui, o primeiro grupo que bombou de uma maneira diferente foi o Quinto Andar, que fez o nome colocando músicas na internet. Cada um faz a coisa de um jeito…

O Radiohead, com o último disco deles, surpreendeu todo mundo porque eles ganharam mais dinheiro com esse disco do que eles ganharam nos CD’s anteriores fazendo um esquema de disponibilizar as músicas no site deles e deixar um preço sugestivo, as pessoas pagavam quanto elas queriam pelo disco. Eles fizeram isso e deu certo, não quer dizer que todo o artista que copiar essa fórmula vá ficar rico. Estamos em um ponto de transição.

Tem gente que faz CD em CD-R, tem gente que faz CD prensado, tem gente que coloca uma faixa por vez na internet, tem gente que faz disco e coloca na internet. Tem gente que vai apostar mais agora na parceria com marcas de roupas ou outra coisa, pra sustentar a música, tem gente que vai sobreviver do show. Cada um tem que encontrar um caminho que funcione mais, que dê certo pra cada artista.

Rump – Tudo o que eu preciso
http://raps.podomatic.com/enclosure/2008-11-07T09_36_46-08_00.mp3″