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J-Dilla mudou minha vida (1974-2006) – III

Nuts, Rodrigo Brandão, Daniel Sanchez, Munhoz, Rump, Parteum, Tamenpi e Nave

Nuts, Rodrigo Brandão, Daniel Sanchez, Munhoz, Rump, Parteum, Tamenpi e Nave

8 histórias e uma influência

“O Jay Dee já era presente na minha vida, antes até de eu pensar exatamente em produzir minhas coisas ou de eu estar atento pra quem ele era”. Essa frase de Tiago Munhoz – conhecido apenas pelo seu sobrenome, seus trabalhos como MC (hoje no Contra Fluxo) e sua produção de beats – exemplifica bem o primeiro contato com Dilla. Não só ele, como várias outras pessoas curtiam suas produções, sem saber exatamente de quem eram. Isso aconteceu também com o produtor curitibano Nave. “Comecei ouvindo os sons do A Tribe (Called Quest) e do Busta (Rhymes), as músicas que eu mais gostava eram nos beats dele, e quando descobri fui saber mais sobre o trampo dele“, relembra.

Imagine a sensação de descobrir que a maioria dos sons que você mais curtia eram produzidos por uma mesma pessoa? Para o Dj Tamenpi serviu de incentivo para ir atrás de outros sons. “Quando fui ligando uma coisa a outra, vi que era ele que tinha produzido vários dos meus sons prediletos. Daí foi só pesquisa, peguei tudo que o cara fez e piro com grande parte desses sons”. Mas se um disc-jóquei gosta de um tipo de música, então aqueles que estão na pista saberão do que se trata. “Nos meus sets, com certeza uns cinco sons que o cara produziu você vai escutar!”

Esse contato com as produções do até então Jay Dee se mostrou tão poderoso, que mudou alguns caminhos. “O primeiro contato foi no segundo do Pharcyde, Labcabincalifornia. Eu já gostava do grupo, tinha o álbum de estréia, mas quando ouvi esse disco minha vida mudou, fiquei com uma fita K7 rolando no carro sem parar por mais de ano, juro!“, relembra nostálgico o MC Rodrigo Brandão, do Mamelo Sound System. O trabalho de produção desse álbum do Pharcyde acabou se mostrando importante para outras pessoas também.

“Eu sempre tive a mania de ler a ficha técnica dos álbuns que comprava, não foi diferente com Labcabincalifornia. O primeiro single do álbum, “Runnin’ “, foi lançado em agosto de 1995. Quando o álbum saiu em 1996, o primeiro impulso foi ver o que o ilustre desconhecido de Detroit havia feito no resto do álbum”, conta o MC/produtor Parteum. A partir desse trabalho tão diferente e inovador, fica difícil não ser influenciado. “Levo para vida o que senti quando ouvi ‘Bullshit’ pela primeira vez, o bumbo desquantizado, a caixa na frente, mais a frente dos outros elementos, um clap secundário cheio de reverb. Era uma outra noção de espaço”, completa.

Para outros, a lembrança é mais específica e relembra que a assinatura de Jay Dee no início era outra. “Ouvia suas produções para o De La Soul, Pharcyde, A Tribe Called Quest quando ele assinava beats como Ummah (coletivo de produtores de Detroit)”, afirma o paulistano e hoje internacional, Dj Nuts. Os mais novos, como é o caso do MC/produtor (Tiago) Rump, de 22 anos, tiveram um contato com trabalhos mais recentes, mas não menos importantes e inovadores. “Comecei a ouvir quando saiu o Jaylib. Levou um tempo pra eu entrar na vibe, foi quando eu conheci o trampo dele e o do Madlib. Com o tempo fui buscando tudo que ele tinha lançado. Quando o promo do Donuts vazou na net, uns dois meses antes do lançamento, não tive dúvidas de que ele era o melhor produtor de hip hop pelos meus padrões do que deveria ser um produtor”.

A importância de uma figura que partiu prematuramente do “jogo” que mais amava se mostrou mais traumática para alguns. Mas o ponto que une todos se dá em relação às influências. No caso de Munhoz, a primeira opção seria a mais apropriada. “Eu não lidei bem com a partida do Dilla. Nunca imaginei na minha vida que fosse me emocionar com a morte de alguém que eu nem conheci. E não lidei bem com a morte do DJ Primo, que foi alguém que eu tive contato, tocamos juntos, tinha uma história”.

Mas o que James “Dilla” Yancey tinha de tão diferente de outros nomes que estavam produzindo em sua época? “Se ele tivesse parado depois de produzir o já citado Pharcyde e do The Love Movement, do A Tribe Called Quest, teria seu nome na história garantido. Mas isso foi só o começo! Depois vieram De La Soul, Erykah Badu, Busta Rhymes, Common, D’Angelo, Soulquarians, e por aí vai. Sem falar no trabalho solo autoral, nas fitas Fantastic, Vol.1 (Slum Village) e Ruff Draft… Creio que ele é o equivalente no hip hop ao que um Thelonious Monk representa pro jazz”, vislumbra Rodrigo Brandão.

Além do trabalho com grandes nomes, Dilla trouxe inúmeras inovações ao modo de se produzir um beat. Quem explica melhor é Rump. “Não é algo fácil de traduzir em palavras, mas parece haver uma profundidade nos beats do Dilla, muito maior do que a média; uma busca por achar os timbres que casem perfeitamente; baterias programadas meticulosamente fora do tempo; uma mistura precisa do convencional com o não convencional, às vezes incorporando cadências de música clássica em suas bases, às vezes usando acordes que em nada se encaixam nas regras de harmonia tradicional”, teoriza.

Para quem pensa que Jay Dee só foi importante para a música rap, se engana. Pelo menos é o que o Dj Tamenpi pôde constatar. “O cara criou um estilo de beat. E num é só no rap que nêgo considera! Já troquei idéia com produtores de música eletrônica de Detroit que adoram o estilo do cara. O estilo dele influencia todo mundo. E com essa morte tão cedo, ele meio que se tornou uma lenda. Geral reconhece e paga pau”. Já Rump acredita que a importância vai além das imposições de estilo da indústria e do público. “Acho que transcende o underground e o mainstream, pelo menos em relação aos produtores. Tem muito produtor underground daqui, da Holanda, da África do Sul e de outros lugares tendo o Dilla como uma das principais referências.”

Quem tem as produções do saudoso produtor como norte, acaba sendo reconhecido facilmente, segundo o produtor Nave. “Quando você ouve Hocus Pocus e os beats do 20syl, você entende a importância dele. Ouve Kamau e Parteum, você entende a importância dele”. A partir dessa referência chamada J-Dilla, pode-se perceber uma finesse característica nos beats. “Quase tudo no rap que tem algum requinte, sofisticação, talvez não existiria se não fosse por ele”, completa Nave. Outro produtor, Munhoz, vai ainda além. “Velho, ele é o produtor dos produtores! Acho que ele deve ser comparado aos grandes. Influenciou tanto quanto os caras que o influenciaram, como o Premier ou o Pete Rock”.

B+)

J-Dilla e Madlib fazem compras de discos no Brasil (foto: B+)

A passagem de Dilla pelo Brasil

Para falar da vinda de J-Dilla ao país é preciso se abrir um parênteses nesta história. Você conhecerá um pouco melhor da parceria do produtor e MC com outro companheiro de funções, Madlib, no trabalho denominado Jaylib.

Jaylib – “Champion Sound”

Jaylib – Ao Vivo 2004

http://stonesthrow.com/jukebox/jaylib-live-2004.mp3″

O disco começou a ser idealizado a partir do momento em que Madlib rimou em uns beats do Dilla, que estavam em uma fita do Dj J Rocc. Isso chegou aos ouvidos de Dilla, em Detroit, que perguntou: Quem é esse cara rimando nos meus beats? Como Dilla já conhecia Madlib, entrou em contato. A partir daí, a parceria se concretizou. O MC paulistano Kamau comenta especialmente sobre a parceria entre Dilla e Madlib, que na opinião dele, não poderia dar errado. “Dois dos maiores sampleadores das mais diversas fontes se unindo pra fazer música. Claro que o resultado seria esperado e cabuloso! Nada mais apropriado que o nome do disco: Som de Campeão”.

O mais curioso em “Champion Sound” é a produção de metade dos beats pro Madlib com rimas de Jay Dee e outra parte com rimas de Madlib e beats de Dilla. O álbum foi lançado oficialmente em 2003, e serviu para firmar a parceria que aconteceu em dois pontos específicos: Detroit (Dilla) e Los Angeles (Madlib). Eles adotaram um sistema de gravação de trilhas e compartilhamento dos arquivos a distância, o que agilizou o processo de produção.

Nave é direto na opinião sobre o álbum. “É aquela parada que quando ouve-se os samples você manda o tradicional ‘filha da p…!’!”. Ele aproveita para confessar a importância dessa parceria para ele, além do que ela de fato representou. “Ouvi muito, volta e meia ouço. Acho que foi o encontro da amizade com uma dose bem grande de insanidade e genialidade”, conclui.

Jaylib na pista por Mr. Mass/França (via Stones Throw)

Jaylib na pista por Mr. Mass/França (via Stones Throw)

Mas o segredo para o sucesso vai além, na opinião de Kamau. “Admiração e respeito. Dois dos melhores produtores a pegar o microfone, na minha opinião. Estilos únicos se complementando em batida e rima”. A relação entre o som produzido na parceria Jaylib ultrapassa barreiras da relação com a música. “Sou muito fã dos dois e já conversei com um deles. Mas mesmo assim ambos mudaram minha vida. Se o rap é minha vida, mudaram mesmo!”, completa. Munhoz confessa que a parceria Dilla/Madlib lhe rendeu boas lembranças. “O Jaylib, me lembra o DJ Primo, foi um disco que ele tocou muito, que ele gostava muito, e que me remete a uma época boa da minha vida”.

(Fecha parênteses)

De volta à história, o responsável por trazer Dilla ao Brasil foi Rodrigo Brandão. No entanto, essa não é uma tarefa nova para ele, que traz as atrações do Indie Hip Hop, além de alguns outros artistas para se apresentarem ao longo do ano. Quem relata a história, é o próprio Rodrigo. “A coisa rolou por conta da Primeira Mostra De Filmes Hip Hop De São Paulo, em 2005. O Keepintime* tava na programação, e o B+ era o diretor convidado. Como o Madlib participa da fita, surgiu a idéia e a oportunidade de trazê-lo pra se apresentar na festa de abertura do evento. É pública a timidez e notória a aversão por palcos do Loopdigga, então já foi uma surpresa ele topar fazer o show. Quando a Suemyra* escreveu dizendo que apesar de estar com a saúde frágil, o Jay Dee viria junto, pra realizar o sonho de conhecer o Brasil, e que então tratava-se do Jaylib ao vivo, nossas expectativas ficaram ainda maiores!”

No entanto, a apresentação acabou não se concretizando. Para o fã de Dilla, Daniel Sanchez, a expectativa no dia era grande. “Eu lembro que eu encontrei o (Dj) FZero na porta e disse: veio ver o Madlib? Ele: nada, vim aqui pra ver o J-Dilla!“. O Dj Nuts foi um dos que chegou a ter contato com Dilla em terras brasucas e conta como foi. “Meu contato com ele foi breve. Ele descobriu no Brasil que estava doente e teve que ir embora no dia de sua apresentação! Ele nem tava tão animado quando foi comprar disco e também para comer”.

J-Dilla e Madlib apresentando o projeto Jaylib, por Scott Dukes

J-Dilla e Madlib apresentando o projeto Jaylib, por Scott Dukes

Quem segue contando a história, é Rodrigo. “Na véspera do acontecimento ele passou mal, teve que ser hospitalizado aqui e só pode ser transferido pro centro médico interno do LAX (aeroporto de Los Angeles) depois que o doutor brasileiro falou com o enfermeiro-chefe de lá e com o médico particular do ‘Mr. Yancey‘, devido à gravidade da doença dele. Durante os dois dias e pouco em que esteve aqui, pouca gente encontrou com ele, mas quem viu não esquece”. Parteum teve essa chance por meio do próprio Rodrigo Brandão, que o chamou para conhecê-lo. “Troquei idéia, entreguei vinil, mixtapes. O Madlib me trata bem, quando me encontra, por conta daquele dia”.

“No fim, o Madlib subiu acompanhado apenas pelo Dj Eric Coleman, e fez um show que até hoje divide opiniões: alguns amaram, outros se decepcionaram. Mas a verdade é que não deve ter sido nada fácil pra ele encarar a parada preocupado, sem o parceiro que, vale ressaltar, era um monstro no palco”, pontua Rodrigo Brandão. Apesar de ter gostado da apresentação de Madlib, foi difícil para Daniel Sanchez esconder a decepção por não ter visto seu ídolo no palco. “Fui no show, no palco avisaram que ele teve que voltar“. No fim das contas, o estado de saúde de Jay Dee o impediu de aproveitar a passagem pelo Brasil. “Por aqui ele ficou no quarto de hotel fazendo fumaça e comendo pizzas”, comenta o Dj Nuts.

Dilla voltou para os Estados Unidos, foi internado e por lá ficou. Chegou a produzir músicas em seu quarto no hospital, e inclusive finalizou o álbum “Donuts” neste mesmo lugar. No dia 10 de fevereiro de 2006, James “Dilla” Yancey partiu. Para aqueles que o consideravam, ficou a boa lembrança e o respeito. Além disso, restaram as homenagens. Tamenpi conta o que rola nos Estados Unidos e fala também sobre os discos clássicos de Dilla que disponibiliza em seu blog todo ano. “Sempre na semana que faz anos da morte do cara, rolam várias festas nos Estados Unidos, só com os caras que colavam com ele. E vê-se uma movimentação no mundo todo em lembrar do cara. É aquilo, o maluco virou uma lenda no hip-hop. Eu homenageio no blog porque é uma forma de deixar os discos do cara sempre por ali, pra quem quiser, baixar. Porque vale a pena pra car%#@!”.

O reconhecimento também serve para se manter a memória dessa lenda. “Penso que se algum dia o rap se levar a sério ao ponto de termos um museu, o nome de James Dewitt Yancey tem de estar lá. Ele trabalhou para que falássemos de Jazz, Stereolab e Busta Rhymes na mesma sentença. Ele trabalhou para que os beats fossem mais cheios, para que mudanças de tempo fossem populares em rap. Trabalhou com Daft Punk bem antes de Kanye West. Ajudou na construção de diversos álbuns clássicos. O legado é inegável”, diz Parteum.

O fã Daniel Sanchez publicou dois vídeos em homenagem a Dilla, que tiveram milhares de visitações do Brasil e do mundo. “Quando criei os vídeos, um em homenagem e o outro um remix, não imaginava a repercussão que teria. Pude ter uma dimensão real da importância do músico pro mundo do hip hop. Quando digo ‘mundo do hip hop’ me refiro ao planeta Terra como um todo”.

O Dj Nuts prestou uma homenagem que se tornou famosa no mundo inteiro. Recriou em uma apresentação do Brasilintime, a versão brasileira do Keepintime*, o beat de Runnin’, do Pharcyde, e com produção de Dilla. Isso faz lembrar a importância de Dilla para Nuts. “Ele foi um dos primeiros a usar música brasileira em seus beats. O uso de Stan Getz com a música ‘Saudade vem correndo’ acabou sendo o tema que reconstruímos para a noite do Brasilintime ao lado do Dj Primo e o Pupillo (baterista do grupo Nação Zumbi)”.

Caso J-Dilla ainda estivesse vivo, provavelmente estaria na ativa, segundo Rodrigo Brandão. “Sem dúvida, o Dilla é um dos artistas mais talentosos, inovadores e criativos que já pisaram na Terra, então me parece claro que ele estaria emanando música boa sem parar!”. Munhoz também é da mesma opinião – “Com certeza estaria fazendo música! Morreu fazendo música”. Já o curitibano Nave, aposta que ele elevaria o nível do rap. “Seria melhor porque teria mais rap bom sendo feito, mais classe, mais originalidade”. Tamenpi ressalta o amor de Dilla pelo que fazia. “Acho que estaria vindo pedra atrás de pedra. Ele era fo%@! E não parava, amava muito o que fazia”.

De segmento, ficam as bases que surgem a cada dia e são creditas a Dilla, além do trabalho do jovem Illa J. Nave tem gostado do que ouve do garoto. “Tenho ouvido, e muito. Tem gosto de nostalgia, é algo como ‘O estilo clássico Jay Dee nos beats’”. O produtor e MC, Rump, faz uma análise completa. “Gostei do disco do Illa J, mesmo do EP anterior, que ele mesmo produziu a maior parte dos beats. Acho que ele tem que ter cuidado para não fazer a carreira em cima do nome do irmão, mas acho ele talentoso, assim como tantos outros caras de Detroit (Dwele, Elzhi, Guilty Simpson, Black Milk, Waajeed). Detroit é a cidade de onde mais parece vir coisa nova e de qualidade hoje, e a sonoridade tem muito a ver com o que foi criado pelo Dilla”.

*Traremos informações sobre esses assuntos em textos futuros.

simpsons-dillajay-dee-simpsons-iiEssa história não poderia terminar sem um agradecimento especial à todos envolvidos nesta série de posts “J-Dilla mudou minha vida (1974-2006) – partes I, II, e III”. Obrigado pela atenção, paciência, informações e dicas e a prontidão nas respostas.

“Nada disso tem valor, se você não faz por amor”/ Paulo Napoli – “Com amor”

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The Suite For Ma Dukes EP

Capa do álbum orquestrado "Suite For Ma Dukes", à venda no iTunes

Capa do álbum orquestrado "Suite For Ma Dukes", à venda no iTunes

Mais um projeto em apoio a Ma Dukes, mãe de J-Dilla, chega às praças. Dessa vez, um álbum com versões orquestradas de grandes produções de James Yancey, em prol de sua família e de inúmeras fundações que visam o tratamento do Lúpus.

O álbum é na verdade um EP, The Suite For Ma Dukes EP, idealizado por Carlos Nino e Miguel Atwood Ferguson. São 4 faixas, incluindo “Fall in Love”, do grupo Slum Village. Adquira o seu no iTunes.

Se você quiser saber mais sobre J-Dilla, o Per Raps separou alguns links bem interessantes. Acompanhe:

> Texto da revista Vibe Magazine com um player so de sons produzidos por Jay Dee. Clique!

> “Slick Boy e Sir Moog”, texto escrito em 2006 por Parteum para o site Coquetel Molotov, de Recife.

> Listagem de uma série de sites no mundo que homenagearam Dilla esse ano no blog do Rump.

> Texto publicado sobre os 3 anos sem “Mr. Yancey” no Central do Rap.


J-Dilla mudou minha vida (1974-2006) – II

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A foto clássica foi tirada por Roger Erickson

…pra quem é Hip-Hop e entende disso aqui, Dilla era o nosso Coltrane” – Parteum (18/07/2006)

O legado de Dilla

No dia 10 de fevereiro de 2006, James “Dilla” Yancey partiu. Deixou saudades, e incentivou sua mãe a iniciar uma luta. Maureen Yancey, a Ma Dukes, passou a arrecadar fundos para uma instituição destinada a pessoas que também possuem lúpus, a doença que levou Dilla. “O propósito dele na Terra era vir aqui e nos dar a música que ele tinha em sua mente e em sua alma”, confessa Ma Dukes em uma entrevista para a revista Vibe. (13/02/09)

Os diversos tributos feitos não permitiram que Ma Dukes se livrasse das pendências financeiras. J-Dilla deixou 2 filhas, Ja’Mya, de 7 anos, e Paige, de 9, além de problemas não resolvidos com o imposto de renda e questões legais relativas aos seus beats. Mesmo após 3 anos de sua morte, a família do MC e produtor não recebeu um centavo sequer do governo de Detroit. Segundo os advogados de Dilla, isso ocorre porque ainda há uma dívida pelos gastos do tratamento médico.

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Outro problema é que muitos músicos se utilizam das batidas de Dilla sem a devida permissão. Isso, pois Dilla criava os beats e simplesmente entregava para os amigos. Os advogados dizem que, até Busta Rhymes, parceiro de Jay Dee, se utilizou indevidamente de algumas produções.

Ele lançou uma mixtape que foi baixada gratuitamente na internet e não permitia a arrecadação por meio dos downloads. Ma Dukes lembra que Busta pagou para Dilla há anos pelos beats. O que parece é que esses advogados não sabem bem do que falam, já que cuidam do caso desde a época em que Dilla era vivo. E também não falam dos shows, que os diversos parceiros do rapper fazem para arrecadar fundos.

Uma homenagem que pode ser vista é o filme de Michel Gondry, “Dave Chappelle’s Block Party” (2006). No filme, o apresentador Dave Chapelle conta com nomes como Erykah Badu, Common, Mos Def, Talib Kweli, The Roots, Dead Prez, Fugees e muitos outros para um daqueles shows que fecham o quarteirão e os americanos costumam fazer. Foi lançado um mês após a morte de Dilla e foi dedicado a ele. (Você encontra cópias desse DVD nas grandes galerias em SP, nas outras praças há exibições no canal Telecine Cult e encomendas pela internet)

Em resumo, a situação acontece por causa principalmente de uma grande burocracia. Só que isso também tem a ver com o sistema de leis norte-americano, que hoje impede que a mãe de Dilla use o nome do próprio filho, seja para a sua fundação em benefício àqueles que possuem lúpus ou qualquer outra coisa. Aliás, em 2006 Ma Dukes passou por um teste, que comprovou que ela também possuia a doença que levou Dilla. Você pode ajudar adquirindo a camiseta acima no site da Stones Throw Records, além disso a renda está sendo arrecadada com parte da venda dos sons de Dilla no iTunes.

John "Illa J" Yancey por iNickel Photography

John "Illa J" Yancey por iNickel Photography

Um pouco sobre John “Illa J” Yancey e seu álbum Yancey Boys

“Eu era apenas uma criança em Detroit, sentado lá nas escadas da nossa casa, vendo ele (Dilla) fazer as primeiras batidas para o Slum Village“, relembra Illa J. O garoto teve acesso às faixas, que nunca tinham sido usadas por ninguém, e fez o álbum. Isso tudo rolou por meio do pessoal da Delicious Vinyl, que assinou com Illa J, e já tinham trabalhado com Dilla nos sons clássicos, “Runnin” e “Drop”, do grupo Pharcyde.

Frank Nitty, que era parceiro de J-Dilla, apresenta um teoria bem interessante em um dos sons do disco “Yancey Boys”, na faixa chamada “Alien Family”. “Meu parceiro Dilla era um extraterrestre, sabe? De um lugar desconhecido, um alien! Todos que conheciam Dilla sabiam que ele tinha um lance com aliens por alguma razão.” Frank continua relacionando idéias e também faz um comentário da família Yancey, “é como se fossem os Jackson 5 de Marte!”. Para justificar o talento do jovem Illa J, ele conclui sua “tese”. “E fazer parte dessa família, faz de Illa J um alien também!”.

É bem verdade que algumas pessoas ficaram desconfiadas, pois sabem que a responsa de Illa J é muito grande. Há quem diga que seria o mesmo que surgir um irmão mais novo de Jay Z, que se chamasse Zee J. Seja qual for o caminho de John Yancey, o nome de seu irmão sempre estará associado ao seu. Sobre o CD, muitos se surpreenderam, principalmente aqueles que tinham expectativas baixas. Mas no geral, é um bom trabalho.

Yancey Boys tem grande êxito, porque consegue mostrar bem os dois irmãos. Os beats de J-Dilla neste trabalho mostram por que ele é um dos maiores beatmakers de todos os tempos, enquanto o caçula Illa J mostra grande potencial e uma sensibilidade incrível ao lidar com o material póstumo do irmão. Nada de grandes dramas ou músicas lamentando a morte de Dilla: a homenagem aqui é da forma que ele com certeza preferiria: rimas, beats e paixão, muita paixão pelo rap. ” – Trecho da resenha de Felipe Schmidt, leia no blog Boombap-rap.

Agora é esperar para ver o que John “Illa J” Yancey terá a acrescentar à música. O que se sabe é que a responsabilidade pelo fardo é grande. Adquira o seu CD do “Illa J:Yancey Boys” aqui.

Fontes: The Source, Vibe Magazine e site Stones Throw Records.

Na terceira e última parte da homenagem a James “Dilla” Yancey, você conhecerá histórias de influências na vida de pessoas aqui no Brasil. Além disso, você saberá um pouco mais sobre a breve vinda do rapper em 2005 ao país, e sua grande parceria com Madlib. Continue acompanhando!


J-Dilla mudou minha vida (1974-2006)

Homenagem a James D. Yancey a.k.a J- Dilla (divulgação Nike)

Homenagem a James D. Yancey a.k.a J- Dilla (divulgação Nike)

“O produtor favorito do seu produtor favorito” – The Source (06/04/06)

Você já ouviu falar no nome de James Dewitt Yancey? Talvez seja mais fácil chamá-lo de Jay Dee ou J-Dilla. E então, algo vem a sua mente? Se sim, muito bem. Caso contrário, não se desespere, pois você está prestes a saber um pouco da história de um grande homem que amava o que fazia. Faleceu há três anos e se estivesse vivo, hoje teria 35. Mas essa não é uma boa hora para a tristeza, e sim para celebrar a vida.

Filho de Beverly Yancey , professor de técnicas vocais e baixista, que por sua vez era amigo de Berry Gordy, fundador da gravadora Motown. A mãe, Maureen, ou Ma Dukes, era uma cantora daquelas com capacidade de ir do gospel ao jazz, passando até pela ópera. O pequeno Yancey foi encorajado a se manter longe das ruas e de encrenca, se aproximando da música seja em um coral ou de seus primeiros e preciosos discos.

Ele foi integrante do lendário Slum Village, grupo em que – o até então Jay Dee – passou a ser mais conhecido como MC e também produtor. Trabalhou com os mais diversos grupos, como Pharcyde, De La Soul, Busta Rhymes, A Tribe Called Quest , Talib Kweli, Common, Erykah Badu e vários outros.

Queria ser como Pete Rock, e admitiu isso sem problemas. Em 2001, passou a usar o nome J-Dilla, principalmente para se diferenciar de Jermaine Dupri, que em sua abreviação de nome também era um J. D (Jay Dee). Iniciou sua carreira solo com o conhecido “Fu&% the Police”, que é um som obrigatório em muitas festas.

Dilla era um cara reservado, que estava além dessas brigas de underground e mainstream. Ele tinha uma postura mais voltada para os artistas alternativos, mas nunca se pronunciou contra os gangstas. Tinha seus luxos, exemplo disso é um Cadillac que ele tinha, carinhosamente chamado por ele de “Dillalade”.

J-Dilla; mais que um músico, um cientista da música (by B+)

J-Dilla; mais que um músico, um cientista da música (by B+)

Quem fala mais sobre o lugar que J-Dilla ocupava é um grande fã seu, o jovem produtor e MC, Tiago Frúgoli, o Rump. “Acho que transcende o underground e o mainstream, pelo menos em relação aos produtores. Tem muito produtor underground daqui, da Holanda, da África do Sul e de outros lugares tendo o Dilla como uma das principais referências. Do outro lado, você vê em depoimentos que caras que nem o Pharrell, K. West, Just Blaze que o Dilla, apesar de nunca ter tido as vendas que eles têm, tem uma considerável influência no trabalho deles.”

Criou clássicos modernos e redefiniu fronteiras antes bem delimitadas. Dedicado, cheio de disciplina e criatividade, colocou Detroit, sua terra natal, no mapa muito antes de Eminem tê-lo feito em 99′. O MC e produtor paulistano, Parteum, dá a dica do teor das rima de Dilla, e traduz uma de suas provocações em uma letra. “Um salve para o meu chegado Killagan. E todos os meus irmãos representando Detroit mais do que doze Eminems” (por causa do grupo D12, que faz parte da banca de Eminem) – Reunion, Slum Village. No entanto, sempre esteve longe das massas. Diziam que ele poderia reproduzir a batida de qualquer produtor, mas ninguém poderia reproduzir os beats de Dilla.

Parteum também assume o significado do trabalho de Dilla em sua carreira. “Assim como o trabalho de Pete Rock e o Premier, a música de J Dilla ainda influencia a construção rítmica dos instrumentais que crio. O uso de frequências com pouco ataque nas linhas de baixo, o que tem a ver com Reggae e Tecnno de Detroit, a tradição do Sloppy Drumming, essa parada de não quantizar os beats, a idéia de criar música híbrida: 1/3 eletrônica – 1/3 sampleada e recortada – 1/3 acústica (O remix para “I Try” de Macy Gray é um bom exemplo)”.

O rapper não poupa palavras e diz qual a real importância do que Jay Dee fez para a música. “Eu acredito que quando o assunto é produção, esse cara criou uma escola. É um músico para ser estudado pelo conjunto da obra, assim como grandes nomes do Jazz”, explica. E o que esse produtor e MC de Detroit fazia de tão diferente? “Um dia ele estava sampleando e recortando tudo, outro dia ele tocava os instrumentos… Ainda no começo da carreira ele levou a idéia de filtragem de samples para um outro lugar. Um exemplo: O uso de Holding You, Loving You (Don Blackman) em Go Ladies (Fantastic Vol. 2). É claro que Pete Rock, Beatminerz e o próprio Q-Tip usaram esse mesmo recurso anteriormente, mas o fato de ele combinar o corte dos samples, recriar melodias e filtrá-las faz toda a diferença.“

Em 2002, descobriu que possuia um problema muito raro: lúpus, uma doença autoimune que pode ser fatal. Nesse meio tempo, Dilla continuou trabalhando e fazendo turnês pelos Estados Unidos e pelo mundo. Três anos depois, precisou ser internado por complicações.

Percebendo que a morte estava chegando, pediu à sua mãe todos seus equipamentos para continuar fazendo aquilo que mais amava, música. Agora ele tinha à sua disposição pick-ups, mixerers, parte de seus discos, uma MPC, e seu computador. Finalizou o álbum “Donuts” dentro do hospital, que acabou sendo lançado 3 dias após sua morte.

Teve a chance de vir para o Brasil em 2005 junto de Madlib. Chegou até a comprar discos, mas não conseguiu se apresentar por causa da doença.

E como seria se ele ainda estivesse vivo? Parteum responde. “Seria mais respeitado como MC, e a família não estaria sofrendo tanto para controlar o espólio*. Tinha uma parada meio RZA nas divisões que ele fazia ao rimar. Tinha a inversão do sujeito, predicado e complementos. Um bom exemplo é o verso de The Official (Jaylib); as frases são curtas e diretas, existe uma conexão entre o primeiro e o segundo verso, mas de tempos em tempos o sujeito da ação descrita só aparece depois, finaliza.

* Mais informações sobre isso no próximo post.

Fonte: The Source, The Vibe Magazine e o site Stones Throw.

Neste clipe, aparecem os MC’s Common, Will.I.Am (Black Eyed Peas), Black Thought (Roots), Frank N Dank, Talib Kweli, e o irmão mais novo de Dilla, John (a.k.a Illa J) como o MC. Ma Dukes também aparece de forma discreta neste video.

Acompanhe mais comentários de Parteum e Rump sobre J-Dilla, além de outras histórias; a parceria com Madlib (Jaylib) e o legado que ficou para suas duas filhas, sua mãe (Ma Dukes) e seu irmão, Illa J. Tudo isso, no próximo post!