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“Não canso de ouvir” com Tiago Rump

Tiago Rump escolhe seus 10 discos preferidos (Divulgação)

Tiago Rump escolhe seus 10 discos preferidos (por Miechan)

O convidado da vez é o MC e beatmaker, Tiago “Rump” Frúgoli. O desafio de escolher os 10 discos mais importantes para ele, não pareceu ter sido um grande desafio. Isso, pois não foi difícil obter as respostas de Rump.

Na sua seleção, os clássicos do hip hop dividem espaço com novidades como o duo Briana Cartwright aka Jack Davey e o produtor Brook D’Leau, que formam o J*Davey. Acompanhe agora o top 10 e as opiniões sobre cada escolha de Rump. Enjoy!

Nas – Illmatic:

Melhor disco que mistura crônica de rua com inteligência extrema. A fórmula foi muito usada no começo dos anos 90, mas nada se compara.

A Tribe Called Quest – Midnight Marauders:

Meu disco preferido da Tribe. O Phife já não estava mais em segundo plano em relação ao Q-Tip. A química funciona muito bem, e os beats são uma aula de produção.

Slum Village

Slum Village – Fan-Tas-Tic Vol.1:

Foi lançado em fita cassete em 97, só saiu oficialmente em 2005. Além do J Dilla já demonstrar lá que era um gênio dos beats, gosto muito do clima descontraido do disco. Muitas vezes, gosto mais da demo gravada na casa do artista do que do disco oficial posterior, gravado num estúdio profissional. É incalculável o impacto dessa fita nos discos posteriores, produzidos pelo Soulquarians.

J Dilla – Donuts:

O final oficial do meu capítulo preferido da história do hip hop. Impressionante ter tanto sentimento um disco sem rimas, criado a partir de samples. Mudou o jeito que eu olho para a produção de hip hop.

Mos Def & Talib Kweli – Black Star:

Pelas minhas escolhas, dá pra ver que tenho uma tendência a gostar do primeiro disco de um artista, ou até da primeira demo. Esse é o meu preferido de dois dos melhores MC’s hoje. “Respiration” tem o melhor refrão de todos os tempos.

MosDef&TalibKweliBlackStar

Common – Electric Circus:

O Soulquarians é meu coletivo de produção preferido. Eles comandam a maior parte das músicas aqui. Esse disco foi o que menos vendeu do Common, talvez por isso tenha feito ele mudar seu rumo no discos posteriores. Ainda assim, acho que esse disco inaugura o que chamo de “post hip hop”. Todos discos abaixo se encaixam na mesma categoria.

Georgia Anne Muldrow – Wothnothings EP:

Um pouco de Dilla, Milton Nascimento, Nina Simone e Free Jazz no corpo de uma garota de 20 anos. Todos instrumentos gravados por ela, até onde eu sei, na sua própria casa.

Erykah Badu – New Amerykah:

Minha cantora favorita, rodeada de muitos dos meus produtores favoritos (Madlib, 9th Wonder, Questlove, James Poyser, Sa-Ra Creative Partners, Georgia Anne, Karriem Riggins…).

J*Davey – The Beauty in Distortion:

Primeiro EP desse duo, que está para lançar um álbum pela Warner. Me lembra muito o Dilla, misturado com o melhor dos anos 80.

Suzi Analogue – World Excerpts 1-9:

Não é nem um disco oficial, está disponivel para download no http://www.freshselects.net/suzianalogue . A produtora/cantora de 20 e poucos anos da Philadelphia me impressionou muito. Destaque para a faixa “Sage Burns”.

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Festas
luv rj julho

MJJ in Luv @ Lounge 69
Com os Dj’s Pachú e Pathy DeJesus.
Convidado: Rabú Gonzales.
Produção de Nicole Nandes e Anwonri Sauthon

Endereço: Rua Farme de Amoedo, 50 – Ipanema – Rio de Janeiro/RJ
Horário: 23h/ Preço: R$ 40 (R$ 20 na lista amiga)
Info: (21) 2522-0627
http://luvbaileblack.blogspot.com

flyer virtualMão de Oito @ Studio SP
DJ residente: Valter Nú
Participações de Marcela Bellas, Kamau e Emicida
Data: 2 de Julho – quinta feira

Studio SP – Rua Augusta, 591
Abertura da casa: 23h
Horário: 0h
Preços: R$ 15,00 (com nome na lista e até 1h do dia 3/7) e R$ 25,00
Lista: studiosp@studiosp.org

fyabum

Pentágono apresenta Dj Kl Jay @ Fyabun
DJs: Kiko, Preto e M. Lion
Data: 3 de julho – sexta-feira
Endereço: Rua Valentim Ramos Delano, 52
Preços: R$ 8 (com nome na lista) e R$ 10
Lista: listafyabun@gmail.com


Emicida – Das ruas da norte, um novo rumo pro rap

Emicida se prepara para lançar sua primeira mixtape

Emicida se prepara para lançar sua primeira mixtape (Enio César)

Isso ainda não havia acontecido desta forma por aqui. Antes mesmo de lançar seu primeiro trabalho oficial, o jovem Leandro Roque de Oliveira já é reconhecido como um dos principais MCs da nova geração. Emicida é um exemplo concreto de como o foco e a dedicação podem levar o mais desacreditado ser humano a caminhos antes inimagináveis. Ele demorou a aparecer porque estava…estudando. O bicho-grilo da infância (segundo suas próprias palavras) passou um bom tempo trancado no quarto estudando, lendo, escutando e aprendendo sobre aquilo que mais gostava de fazer desde cedo: rap. Hoje, recém-chegado na cena, ele já conquistou o respeito e o carinho de milhares de pessoas, hoje seus fãs, além do reconhecimento de boa parte da geração de rappers que o precedeu.

Apesar de em alguns momentos ‘rejeitar’ a fama conquistada pela internet, Emicida reconhece que a tecnologia – em especial o YouTube – funcionou como um imã para atrair as mais de um milhão de visualizações que suas batalhas de freestyle tiveram no site de compartilhamento de vídeos. O single Triunfo, lançado por ele em 2008, repetiu o sucesso e virou hino entre os fãs de rap, sendo inclusive cantado calorosamente pelo público durante o último festival Indie Hip Hop, no final do ano passado.

A explicação para tanto sucesso é simplificada em uma só palavra: talento. Com 23 anos, o jovem MC se prepara para lançar uma mixtape com mais de 20 músicas inéditas e que servirá como aperitivo para seu primeiro disco solo, que deve chegar um pouco depois. Em um final de tarde de segunda-feira, o Per Raps foi ao Tucuruvi, na zona norte de São Paulo, e conversou com Emicida sobre sua infância, suas influências, histórias, opiniões, anseios e desejos, em entrevista que você confere em duas partes.

(Geralmente a gente começa pelo começo. Mas dessa vez, você terá que continuar acompanhando o Per Raps para saber um pouco mais sobre a infância do MC, além de histórias sobre o Freestyle e a Batalha da Santa Cruz. Continue por aqui que a segunda parte vem em breve.)

Confira:

Na Humilde Crew

A Na Humilde é um coletivo: eu, Dj Zala, Rashid, Projota, Djose, Dj Mr. Brown, o Marcelo, Dj Nyack e o Enio. A intenção da gente é se organizar pra conseguir mais coisas, conseguir mais visibilidade pro nosso trampo. O nome surgiu da forma mais bizarra. A gente comprou um fone de ouvido toscão, tipo de telemarketing, com aquele microfone junto, e vinha uma mina desenhada. Aí eu catei e desenhei umas pintinhas na mina, pintei os dentes dela de preto. Aí o Dj Zala viu e falou que a foto tava no limite da humildade e ficou isso, Na Humilde Crew.

No ano passado a gente conseguiu o apoio do VAI, um programa de incentivo da prefeitura, então o Dj Zala focou nessa parada, captou a grana pra gente poder fazer uns eventos  e começamos a fazer o Mais Clássicos Hip Hop. Ele fez praticamente tudo sozinho, colando em várias reuniões com o pessoal da prefeitura. Eu fiquei mais responsável por fazer os corres de divulgação. Aí eu arrumei o Marcelo, ele se propôs a fazer os flyers, que ele trabalha com design, a gente fez a impressão. No dia do evento eu fazia as coisas mais simples, tipo cortar os pãozinhos e por presunto no meio, essas coisas. Antes do meu show eu ficava atrás do Zala pra ver se ele precisava de alguma coisa, pra saber como que estava o som, então cada um ficava responsável por um negócio.

Com a Na Humilde, 2008 foi ano que a gente mais trabalhou, até por causa desses eventos. Mas agora a gente quer crescer, queremos que isso não seja exceção, mas que seja o comum. Trabalhar mais pra fazer mais eventos e, se Deus quiser, fazer um dia um festival de rap. Isso não existe aqui. Então queremos promover eventos, batalhas, que a gente gosta bastante.

Mixtape

A mixtape vai sair nesse primeiro semestre. Eu praticamente terminei de selecionar o repertório. Conversei com o Felipe Vassão (que produziu Triunfo), ele que vai mixar, e tem beats do Marechal, Slim, Léo do Casa 1, Nave, tem coisa minha. Acho que quem tem mais batidas na mixtape é o Marechal. O Rodrigo é meu irmãozão, eu me identifico muito com as paradas dele.  E como a gente sempre teve esse elo, esse ritmo de fazer uma parada e mostrar pro outro, uma vez que eu fui pro Rio, ouvi várias batidas dele e pedi algumas pra mix.

A gente da Na Humilde acredita que o rap precisa chegar em outras pessoas. Só que a gente também sabe que a grande maioria, tendo consciência disso, não sugere alternativas. E uma parada que faz jus a tudo isso que a gente acredita, dessa filosofia de “a rua é nóiz”, é colocar essa mixtape na rua, não na loja. A idéia é vender, da nossa mão, a dois reais. Eu quero que meu vizinho conheça meu rap. Eu quero começar mostrando meu rap por aqui e ir expandindo naturalmente, meu foco é aqui.

As pessoas que me encontram na rua, que vem falar comigo, ainda não conhecem minhas músicas. Elas conhecem a figura do Emicida da batalha, dos vídeos do youtube. É claro que a gente vai colocar a mixtape na galeria também, em algumas lojas, até porque são os lugares que a gente freqüenta, mas nosso foco é a rua.

A gente quer fazer tudo à mão. Comprar o papel, fazer a capa, que nem eu fiz com a Triunfo. Tirando o CD-R, que a gente tem que comprar, porque ainda não tem nenhum japonês que saiba fazer o CD aqui correndo com a gente (risos), o resto vai ser artesanal mesmo. A gente tem um grafiteiro, sabemos fazer os moldes. Minha idéia é parar no metrô, irmão. Vender meu CD na Sé, entrar no trem fazendo freestyle, que nem os repentistas. Quero meu trampo na rua. Nosso foco é manter isso na rua, buscar a identificação das pessoas que vivem a mesma coisa que eu vivo, que eu vivi.

Porque vai, tem mais de um milhão de views no YouTube, mas tem um cara que viu 300 mil vezes, ta ligado? Então não é uma parada honesta, de eu poder me valer desses números. Eu quero fazer com que esses números se transformem em popularidade na rua, quero fazer um show pra três mil pessoas, por exemplo. Claro que a mix vai estar na internet também, mas o meu foco mesmo é fazer pras pessoas que estão perto de mim. Eles podem ouvir o som e odiar, mas eles vão conhecer a gente.

Meu single, eu fiz 700 cópias e vendi em um mês. Eu fiz trezentos no primeiro dia, a gente ficou fazendo de madrugada, mandamos fazer um carimbo escrito “Triunfo” e ficamos carimbando os CD-R, eu fiquei com a mão roxa de tanto carimbar e foi uma parada que eu achei muito louca de fazer. Eu fiz um texto, tiramos xerox e colocamos em cada CD, falando sobre o que é, na nossa visão, essa parada de “a rua é nóiz”, quem é o Emicida, agradecendo as pessoas por terem comprado o CD. E foi um trampo que pra mim repercutiu muito bem.

O MC admitiu que em 2008 fez mais shows fora do circuito do rap

O MC admitiu que em 2008 fez mais shows fora do circuito do rap (Enio César)

Outros públicos

Teve gente que achou até que o CD tinha saído por gravadora. No final do ano passado, em novembro, eu toquei no festival Cena Musical Independente, em Piracicaba, e quase fui barrado porque alguém lá falou que tinha rolado uma tiragem do single. Mas eu queimei os CDs na minha casa e distribuí de mão em mão, ta ligado?

Mas no final foi bem louco, o nosso show (Emicida e Dj Nyack) foi considerado o melhor show do festival. Só tinha a gente fazendo rap, ninguém conhecia meu som…não conheciam nem rap. Era até um pessoal que tinha um conceito negativo em relação ao rap e até hoje eu recebo uns emails falando “po, até então nunca ido num show de rap, curtir rap não era nem possível na minha vida”, ta ligado? E teve gente que se emocionou lá.

Eu virei pro Nyack quando nós descemos do palco e falei “ganhamo!”. Porque por exemplo, o palco do festival era gigante e a galera tava toda dispersa. Em geral, os caras colocam o rap pra tocar no canto, no final, mas dessa vez não, a gente abriu o show da maior banda de todo o festival. Teve vários shows bons, mas tava todo mundo disperso, um em cada canto, tudo de braço cruzado.

Aí eu pensei: se eu subir no palco e continuar desse jeito não vai valer a pena eu ter vindo, é que nem tocar em qualquer outro evento. E a gente conseguiu fazer a galera se aproximar e curtir o show…eu falava diretamente com eles, no final tinha gente até dançando. E foi uma conquista pra mim, eu voltei com a idéia na cabeça de que eu faço música independente. É maior que o rap, eu faço música, e em vez de reclamar de crise na indústria fonográfica eu faço a minha.

Eu acho que 2008 foi um ano bem parado pro rap, com poucos lançamentos. No ano inteiro eu toquei em vários picos que não são do rap, porque não tem acontecido evento de rap. Aí que eu me liguei que estava com saudades de várias pessoas que eu vejo no rolê, foi uma parada estranha. Esse foi o ano que eu mais trampei na vida, foram 45 shows, e uns 30 foram em eventos que não tinham nada a ver com rap.

Tocar com gente de outros estilos, como nos shows dos caras do Mão de Oito, me deu uma outra visão disso tudo. O show deles é muito bom, muito foda. Só que tem uma barreira entre os músicos que estão tocando e a galera que está curtindo. Quando acaba, a galera pede bis, eles tocam mais uma e vão embora. E quando ta nóiz, a gente vê o poder que a gente tem com essas pessoas.  A gente sobe no palco e traz as pessoas pro que realmente está acontecendo, aproxima o palco da platéia. E várias pessoas não têm esse poder, a gente tem que começar a usar isso a nosso favor.

As pessoas querem conhecer, várias delas são fechadas, mas nem todo mundo é assim. Eu acho muito louco poder fazer um show amanhã em um pico diferente e ter lá várias pessoas esquisitas, que podem colar depois num pico de rap também. Já teve gente que veio me contar que fez isso depois de ter me visto tocar com o Mão de Oito, por exemplo. Isso é fazer a cena crescer, fazer as pessoas se unirem, e isso é realmente combater essa parada de sistema, preconceito e racismo, porque eu estou fazendo as pessoas irem pra lugares que elas não iam antes.

Os caras não sabem o que acontece dentro da Rinha dos MC’s, por exemplo. Os caras acham que sai tiro, que vão sair no soco lá dentro. Eles não fazem idéia que se trata de uma celebração. E os manos do rap também não fazem idéia que dentro do pico lá que ta tocando o Mão de Oito tem vários caras curtindo um som. São essas barreiras que eu estou tentando combater tocando nesses lugares, tocando no Sarajevo agora…

A gente precisa fazer as pessoas se verem como iguais, e esse é o grande poder da música, fazer todo mundo se sentir um só. Tipo os índios: as tribos não cantam porque é hit. Ou na igreja, por que eles cantam na igreja? É porque acreditam numa força maior, e essa que é a parada do sentimento da música. Só a música pode aproximar as pessoas e fazer elas se sentirem assim. Tem outras coisas que aproximam, tipo o Orkut (risos)…mas é a música que tem esse poder de união.

Pirataria / Mercado fonográfico

Hoje em dia já tem barraca de DVD meu com batalha do YouTube. A gente foi tocar lá na Paraíba e lá eles tinham esse DVD, os caras juntaram os vídeos e puseram lá pra vender. Mas que eu vou fazer, vou bater no camelô? Deixa lá, até o momento isso é bom pra mim. Eu não sei se um dia eu vou ver isso como uma coisa negativa, pode acontecer, mas eu acho difícil, porque são os meios que a gente tem. Eu tinha o costume de comprar CD, mas agora eu tenho internet em casa. Eu compro vinil, porque eu gosto de escutar, de samplear de lá.

Mas eu não vejo a pirataria como algo negativo. O artista fecha um CD por no máximo três reais lá na Sonopress, é só ligar lá que os caras te passam o orçamento, e aí coloca pra vender por 40 conto? Não vai pra mão do artista quase nada. Se for pra voltar um real pro artista por cada disco, que é como eles fazem, eu prefiro fazer a mixtape a dois reais e ganhar um real direto. Os outros 50% ficam pro povo…

Em 2008, Emicida participou dos discos do Kamau e do Pentágono

Em 2008, Emicida participou dos discos do Kamau e do Pentágono (Enio César)

Essa que é a parada, a gente tem focado nisso, diminuir os custos, porque a gente vive de outra forma, vem de outro lugar, e não temos que ser igual ninguém. Esse negócio de gravadora, mainstream, não é um negócio que está acessível pra gente, pelo menos por enquanto.  Não é um bagulho que eu posso fazer pros meus, então eu vou fazer o que eu posso fazer. Eu não vou tirar 20 conto de alguém num CD. Os caras que tem loja podem, é o dinheiro deles, eles vivem disso, mas eu não. Eu sei quanto que eu gastei, eu faço minhas contas, então eu fico ligeiro pra tomar conta disso daí, pra baratear os preços das coisas, sejam elas CDs, mixtapes, camisetas, o que for.

Eu adoraria ter alguém que vivesse o rap da forma que eu vivo, mas que não fizesse rap e focasse só nessa parada business, porque aí eu só ia fazer rima. E isso me zoa, porque eu tenho o costume de fazer rima 24 horas por dia e não estou rimando quase nada comparado com o que eu fazia anos atrás porque agora eu tenho que ficar atendendo telefone, mandando email, vendo quanto custa cinco passagens daqui pra Macapá, e vendo se vai dar pra todo mundo ir, se vai todo mundo ficar bem lá, se vai sobrar dinheiro…

Isso aí se refletiu no meu trabalho né. Por exemplo, faltam três letras pra eu terminar a mixtape. Isso aí, há quatro anos, eu faria em um dia. Hoje, eu paro, e a primeira coisa que eu tenho que fazer é esvaziar minha cabeça de números. E aí eu começo a escrever. Aí to lá escrevendo, mas em um momento eu paro e penso: será que eu respondi o e-mail de fulano, de ciclano. Por outro lado, são coisas importantes de saber, porque se um dia eu tiver alguém pra fazer esses corres eu já vou saber como funciona e não vou tomar bica.

Tem vários caras da antiga que tomaram bica porque só faziam música, não sabiam pra onde tinham que  ir, como aconteciam as coisas. Pra mim, tem o lado negativo, que é o tempo que eu perco com isso e a maneira como isso afeta meu cérebro, mas tem o lado positivo que é aprender como tudo funciona. E se eu sou um artista independente e dono das coisas que me cercam, a melhor coisa é saber como tudo funciona pra poder organizar da melhor forma e organizar da melhor maneira.

Mas pra esse ano eu vou precisar de alguém pra cuidar dessa parte de administração pra mim. Antes eu não podia colocar alguém pra fazer isso porque eu não podia pagar, mas agora já está rolando uma grana, eu não tenho problema de ter menos no final do mês, porque eu não gasto com quase nada. Então eu prefiro destinar a grana do show pra alguém e essa pessoa fazer isso continuar rolando, crescer. Mas tem que ser alguém que esteja aberto e que entenda do negócio, porque às vezes chega gente me falando que vai me colocar no Faustão, no Raul Gil…o quê que eu vou fazer lá? Não é o nosso espaço.

Precisa de gente que entenda disso, precisa de gente de dentro. E tem muita gente pra fazer, o que precisa é sincronizar os meios e ver quem está mesmo com disposição pra trabalhar. Tem uma grande maioria que quer facilidade, mas tem um pessoal que sabe como as coisas acontecem. É que nem vocês do Per Raps. Vocês têm a necessidade de suprir uma carência, que é de ter um veículo que fale de rap com qualidade e propriedade. E você não vai esperar alguém fazer, vocês vão fazer. Eu a mesma coisa, eu gosto de música boa, então é atrás disso que eu vou correr, vou fazer a minha música.

Tem gente fazendo música boa e ela não está chegando até mim, porque colocam várias barreiras. Então eu vou fazer minha música, que eu considero boa, e lutar pra quebrar essas barreiras, pra que as pessoas possam conhecer o trabalho de vários outros artistas que eu gosto. Essa é a minha filosofia, ser independente é isso. “A rua é nóiz”, a gente está na rua, vamos fazer esse bagulho acontecer aqui então, o que acontecer na internet é sobra. Tem internet também, mas a rua não é exceção, a rua é o foco.

Até porque as pessoas ainda estão aqui, estão andando com fone de ouvido na rua, a música está presente na vida das pessoas mais do que nunca, só que as pessoas estão consumindo música de outra forma. Você tem que estudar isso: como eu vou sobreviver dentro disso, se é essa a minha meta? Tem que estudar pra não tomar bica.

As gravadoras reclamam de crise, mas o erro é delas próprias, porque esse é o mundo dos negócios, é competitividade, estão oferecendo um produto muito melhor do que o delas e muito mais barato, ta ligado? Então você tem que estudar e quebrar as pernas deles igual quebraram as suas, oferecer alternativas, senão a pirataria vai crescer cada vez mais. Estão dando o que o povo quer, o povo só quer a música…

"A partir do momento que você cativou um público, você é responsável por ele"

"A partir do momento que você cativou um público, você é responsável por ele"

“Se o rap se entregar, a favela vai ter o quê?
Se o general fraquejar, o soldado vai ser o quê?
Tem mais de mil moleque aí querendo ser eu
imitando o que eu faço, tio, se eu errar, fodeu
Ser MC é conseguir ser H.Aço,
no fim das contas fazer rap é a parte mais fácil”

(trecho do single Triunfo, de Emicida)

Eu me considero responsável pelas pessoas, eu sinto essa responsabilidade, porque é um negócio muito louco, tem gente que vem falar comigo chorando, e é foda eu lavar minhas mãos e falar: eu só fiz uma música. É um bagulho muito grande, eu sinto isso, tem vários caras que são meus ídolos, ícones, que eu acredito realmente, que eu sigo várias coisas que eles falaram. E eu vejo que a partir do momento que você cativou um público, você é responsável por ele. É até uma oportunidade de eu educar meu público da forma que eu gostaria que as pessoas fossem. Eu não quero que amanhã tenham 500 Emicidas no palco. Se tiver, maneiro, mas eu quero que eles sejam bem sucedidos na vida deles, seja com o que eles forem trabalhar. Eu quero o melhor pra eles, independente do que eles forem fazer.

E essa idéia da música é bem isso, você é o exemplo de tudo que te cerca. Então antes de falar as coisas, primeiro você tem que ver se você está certo. E isso é na vida. Se a minha opinião sobre um referendo, um plebiscito, por exemplo, for divulgada, a minha escolha vai influenciar a escolha de muitas pessoas que gostam de mim e se identificam com as minhas paradas. Se eu escrever no Orkut que fulano não presta, já era, fulano não presta. As pessoas precisam de referências mesmo, e eu acho certo, são os meus valores, as coisas que eu acredito.

A coisa mais sincera que alguém pode fazer pela minha música é levar ela ao pé da letra. Esse é o grande poder da música, que nem eu vi num documentário de um disco do Bob Marley e dos Wailers: ela consegue “bater sem doer” nas pessoas. As pessoas acordam e pensam. Eu não sou o dono da verdade, mas tem várias coisas que eu considero certas e tem várias coisas que eu considero erradas, e eu gostaria de falar isso para as pessoas.

 

Futuro

Tudo é possível, só depende de foco e trabalho.Teve uma fase da minha que eu não tinha perspectivas, que eu nunca imaginaria estar aqui hoje, com 23 anos, morando em um apartamento com a minha mulher e dando entrevista, ta ligado? Mas agora já era, eu não tenho outra opção. Ou eu vou 100% nisso e busco a melhora, a prosperidade dos meus, ou nosso destino é ficar esperando a morte nos buscar, reclamando que tem pessoas que não gostam da gente, não conhecem a gente.

O grande foco das pessoas não deveria mais ser apontar as coisas que estão erradas, a gente já faz isso há 20 anos, ta ligado, vamos trabalhar e construir essa parada. E eu não estou falando só de rap. Nós todos temos que trabalhar pra melhorar isso aqui. As pessoas tão aí reclamando que ganham pouco no telemarketing, mas vão lá trabalhar 30 dias por mês. Por que não pensam, se programam, não estudam, não focam no que querem fazer? As pessoas não sabem nem o que elas querem fazer. Você pergunta o que elas querem e elas respondem que querem ganhar dinheiro, ficar ricas. Mas como???

"Liberdade é responsabilidade, é você fazer a sua sem zoar a do outro"

"Liberdade é responsabilidade, é você fazer a sua sem zoar a do outro" (Enio César)

O argumento mais usado entre vários dos nossos é que o sistema cerca, não dá liberdade. Várias pessoas não sabem conviver com liberdade. Liberdade é responsabilidade, é você fazer a sua sem zoar o do outro. Se você pegar esses caras que tão aí combatendo o sistema, eles não vão saber te explicar quem é o sistema. “Porque nóiz não é favela? Nóiz não é a rua? Se os caras tão quebrando as nossas pernas vamo lá atrás dos caras então, resolver essa parada”. Mas não é assim. Tem vários sistemas, vários tipos de sistema, as pessoas são um sistema.

Se você não concorda com alguma coisa, você não devia fazer, você sempre tem outra opção. Eu posso fazer rap ou posso não fazer nada, ficar esperando minhas contas acumularem e morrer de fome, minha outra opção era essa. Eu acredito nisso, acho que o grande problema é que o foco no rap é pequeno, dos próprios caras do rap. As pessoas se acostumaram a fazer rap por hobby e reclamar, falar mal da Ivete Sangalo, que nem sabe quem é a gente…ou sabe, mas ela ta lá fazendo a dela e você tem que fazer a sua, sua barriga ta roncando e a dela não.

Enquanto você der 20% da sua vida pro rap, o rap vai dar 20% de atenção pra você, talvez ainda. Eu acredito nos caras que vivem isso 100%. Mas os caras que vão numa festa, gravam um cd mais ou menos, fazem “o que deu”. Não é pra fazer “o que deu”, é pra fazer o que tem que ser feito. Você fazer o que você pôde, o que estava ao seu alcance, não vai ajudar em nada. Se não está ao alcance da sua mão, levanta e vai até lá, faz das tripas coração. Isso tem que ser tão importante quanto comer, as pessoas tinham que se alimentar disso. Se você está com fome, você levanta e vai procurar o que comer, não é? Devia ser igual com tudo, se você precisa resolver sua vida, você tem que correr atrás.

Emicida – Triunfo

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