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Entrevista – Rump

Tiago Rump acaba de lançar a mixtape digital Pós-gressivo
Rump acaba de lançar a mixtape digital Pós-gressivo (foto por Fernanda Muniz)

Imagine alguém com 22 anos, fã de Frank Miller, Michel Gondry e Machado de Assis, professor de piano e estudante de mandarim. No começo do século, seria praticamente impossível atribuir essas características e preferências a alguém que trabalhasse com rap no Brasil. Porém, trata-se do MC e produtor paulista Tiago Rump, que lançou o disco “Progressivo” no primeiro semestre deste ano e a mixtape digital – em sua própria definição – “Pós-gressivo”, alguns meses depois. 

Rump foge dos padrões e estereótipos do rap e leva consigo a característica essencial para qualquer artista – e ser humano – nesses novos tempos: a busca pelo conhecimento. O Per Raps fez uma entrevista com ele para saber um pouco mais sobre sua música, suas preferências e suas opiniões sobre alguns temas que envolvem o hip hop.

“Eu vou tentando equilibrar o quanto eu saio com os meus amigos e o quanto eu faço as minhas paradas, mas eu gosto de muitas coisas de cultura diferente, de quadrinhos, de filmes”, afirma Rump. Para ele, a arte não precisa de rótulos ou fórmulas específicas, basta apenas que tenha profundidade. “A divisão de estilo é uma coisa que o mercado precisa, mas a minha divisão é de coisas que têm profundidade, de coisas que me tocam e coisas que não me tocam”.

O rapper conta que está lendo um quadrinho de Frank Miller – “Que pra mim é um puta cara poético, um cara que escreve coisas que me tocam” – e explica que não existe diferença pra ele entre ler o quadrinho, uma ficção científica do Philip K. Dick ou um conto do Machado de Assis: “Tudo isso tem uma profundidade”, filosofa. Ainda diz que não faz diferença se está assistindo Matrix, Colateral ou um filme menos comercial e “mais cabeçudo”, todos têm profundidade. “Não importa se eu estou ouvindo um pianista que nem o Erik Satie ou um beat do Dilla, esteticamente é diferente, mas todas essas coisas têm uma profundidade, e são essas as coisas que eu busco”, explica.

O nome Rump surgiu de um som em que ele falava sobre samplear, e dizia que “transformava palha em ouro como Rumpelstiltskin”, um personagem de uma história dos Irmãos Grimm. Em suas letras, o MC se utiliza com freqüência de metáforas e figuras de linguagem como essa, dando sentido a todas elas – algo que não ocorre com tanta freqüência no rap nacional. Para isso, conta ele, suas inspirações são o que ele vive e consome no dia-a-dia.

“Eu faço o que é mais natural pra mim. Rima pra mim é um exercício de terapia, serve para eu conseguir processar tudo o que eu estou consumindo – livros, músicas, quadrinhos, filmes -, tudo que eu estou vivendo, então eu acabo falando das coisas que eu estou vendo. Se eu leio várias coisas, eu acabo criando metáforas e falando sobre isso”.

Confira trechos da entrevista:

Per Raps: Você estuda música há algum tempo. Quando e como o rap virou sua prioridade?

Rump: Desde quando eu me lembro eu faço alguma aula de música, meus pais sempre que tiveram condições me incentivaram a isso. Quando eu terminei o colegial, eu já mexia com produção de hip hop porque eu tinha feito um estágio na YB, que é um estúdio aqui em Pinheiros onde gravaram o Racionais e o Sabotage, por exemplo.

Quando eu acompanhei uma gravação do Sabotage eu ainda era novo e conhecia os caras do estúdio, porque eu fazia locução lá para propagandas. Aí eles me falaram de um cara novo, que colava com os caras do RZO, eu fiquei curioso e conheci o Sabotage. Ele cumpriu um papel muito importante na minha vida depois, nessa época que eu fazia estágio lá, que era quando eu tava começando a querer gravar as minhas coisas e foi um cara que mostrou muita coisa pra mim.

Na época eu só ouvia rap nacional, foi ele quem começou a me mostrar qualidade no rap americano. Depois disso, quando eu saí do colegial e já tinha terminado o estágio lá, foi quando eu comecei a estudar música a sério. Quando eu comecei a estudar piano, acabei focando mais na produção do que em rimar, acabou virando a parada principal pra mim, e a rima uma coisa que eu faço, mas em menor escala do que eu produzo. Produzir é mais natural pra mim, tem mais a ver comigo, mas eu não passo sem fazer rimas também. Só que pra cada rima que eu faço, eu produzo várias bases.

Per Raps: Você se sente mais preparado para produzir rap em virtude desse conhecimento musical que você já possui?

Rump: Eu acho o seguinte, se você vai produzir, você precisa ter domínio sobre as suas ferramentas. Agora, se você vai estudar música ou não, é uma opção, eu não acho que por eu estudar eu estou na frente por algum motivo. Eu acho que muita gente que não estudou música formalmente às vezes manja muito mais de música ou do tipo de música que ele está fazendo, do que alguém que estudou, ainda mais com rap.

Algumas pessoas que estudaram música da maneira mais tradicional – estudaram vários estilos: jazz, samba, rock – falam “rap é mais fácil de fazer”. Mas não é. O rap tem toda uma linguagem própria de produção, a coisa que foi criada entre 87 e 96, as viradas de bateria não são as mesmas que um baterista de funk faz, o tipo de harmonia não é necessariamente o que um cara que estudou música faz.

Você tem que estudar o estilo que você quer fazer, mas estudar não é necessariamente estudar partitura, cifra e instrumento. Tem produtores que têm um conhecimento de sample, de quem sampleou o quê, e de sonoridade, de textura de som, que é isso que vai dar o valor do som dele. Eu estudo piano porque é uma coisa natural pra mim, estudo música porque eu gosto, mas não só pra fazer rap, porque eu gosto de estudar e tocar outros estilos de música também, e acho que isso reverbera no jeito que eu faço rap.

Mas não quer dizer que eu faço rap de acordo com as convenções que eu aprendo na música popular ou que meu rap se baseia nisso. Isso entra do mesmo jeito que quando eu leio um livro, isso acaba entrando na minha rima, mas não é que eu tô tentando por isso. Todo o conhecimento que você soma, isso vai entrar no seu som e no produto artístico que você fizer.

Per Raps: Você comentou que produz muito mais do que escreve. O que você faz com todas essas produções?

Rump: As bases ficam guardadas. Já passei bases para outros MC’s e já fiz freelances de produção de trilhas para publicidade. Pretendo continuar fazendo as duas coisas. Também tenho vontade de produzir artistas de outros estilos e de trabalhar com trilhas para cinema.

Per Raps: Como você define seu estilo de produção? Em quem você mais se espelha e quem você acha que está se destacando mais nessa área, no Brasil e fora dele?

Rump:
Eu sou um Dillasciple assumido. J Dilla mudou minha maneira de ver a música. Não é uma questão de se inspirar apenas esteticamente, mas de entender a abordagem dele da arte de fazer beats. Me inspiro também em outros produtores de hip-hop como Pete Rock, Premier, Kev Brown, RZA e Madlib, mas atualmente vejo meu som mais próximo de caras como Sa-Ra Creative Partners, Georgia Anne Muldrow, Erykah Badu (nos dois últimos discos) e J*Davey, e acho que eles emprestam muito do Dilla também.

Per Raps: Você considera a aparelhagem que você tem suficiente para fazer música de qualidade? Qual a importância do equipamento para um produtor?

Rump:
Acho que a música é sempre fruto do que temos disponível, e também do que não temos. Eu tento investir o dinheiro que posso em equipamento, mas eu diria que o que usei até agora para fazer minha música é relativamente simples. Acho que o domínio que se tem de um equipamento ou de um instrumento faz mais diferença na qualidade da música do que o fato de usar esse ou aquele sampler, esse ou aquele software.

Per Raps: Fale um pouco sobre o “Pós-Gressivo”.

Rump:
Acho que ele seria uma mixtape digital. Ele não tem a seriedade nem é coeso como um álbum, que nem eu tentei fazer com que o “Progressivo” fosse, mas é uma série de faixas, com algumas que já estavam prontas na época do “Progressivo” e eu acabei optando por não pôr. Tem coisas que são remixes do disco que eu fiz na época, e tem coisas que eu fiz depois mas que eu não queria que entrasse no próximo disco ainda.

Tem músicas que são versões alternativas pra músicas do próximo disco, é um remix que está saindo antes do original. Eu fiz tudo em casa, levei pro estúdio do Venom, do (ProjetoManada, a gente masterizou e mixou tudo em uma tarde.

Per Raps: Você disponibilizou o disco no seu blog

Rump:
O “Progressivo” vendeu menos em seis meses do que foi baixado em um mês. As pessoas não querem mais pagar por música, todo mundo tá acomodado. Eu tento comprar o que eu posso, mas eu mesmo baixo muito mais música do que eu compro porque eu não tenho dinheiro pra comprar tudo que eu quero ter. Mas eu tento comprar tudo que eu gosto, e isso não é um ato de caridade, eu compro porque eu acho que faz diferença você ouvir um som em alta definição. A gente vai ficando com o ouvido viciado de ouvir mp3.

Você ouve tudo em baixa definição, aí quando você vai trampar num som, você ta acostumado com aquela compressão de mp3, todo mundo ouve mp3 de baixa qualidade. Eu me importo em ouvir a música em alta definição, gosto de ter o disco ou o CD – eu não gosto só de vinil, gosto de CD também – e gosto de ter o encarte, acho que a arte complementa a música às vezes.

Agora, quando eu vi meu disco em um blog, disponível para ser baixado em 128 kbps, em baixa qualidade, eu resolvi que ia por no meu blog em alta qualidade. Se as pessoas vão baixar, eu prefiro que elas baixem do meu blog, em uma qualidade boa. Eu botei as informações técnicas do disco junto, botei meu disco de uma maneira decente pra ser baixado na internet. Quem quiser comprar, quem se importa com a parte física, vai comprar, quem só quer ter o mp3 pra ouvir no Ipod, vai baixar.

Per Raps: Você chegou a falar com alguém do blog onde você viu o seu disco?

Rump:
Se eu fosse reclamar com o pessoal do blog, seria confundir o sintoma com a doença. De que adiante eu comprar briga com o cara se daqui um mês outro cara vai por, e eu vou fazer o que? Sair correndo na internet atrás de todo mundo?

Per Raps: Qual é a solução?

Rump:
A gente está num ponto de transição. Há cinco anos, há seis anos, tinha uma forma simples de se fazer música. Você faz, grava numa mídia – geralmente o CD – e coloca na rua. Seja por gravadora, seja independente, mas era isso. Aqui, o primeiro grupo que bombou de uma maneira diferente foi o Quinto Andar, que fez o nome colocando músicas na internet. Cada um faz a coisa de um jeito…

O Radiohead, com o último disco deles, surpreendeu todo mundo porque eles ganharam mais dinheiro com esse disco do que eles ganharam nos CD’s anteriores fazendo um esquema de disponibilizar as músicas no site deles e deixar um preço sugestivo, as pessoas pagavam quanto elas queriam pelo disco. Eles fizeram isso e deu certo, não quer dizer que todo o artista que copiar essa fórmula vá ficar rico. Estamos em um ponto de transição.

Tem gente que faz CD em CD-R, tem gente que faz CD prensado, tem gente que coloca uma faixa por vez na internet, tem gente que faz disco e coloca na internet. Tem gente que vai apostar mais agora na parceria com marcas de roupas ou outra coisa, pra sustentar a música, tem gente que vai sobreviver do show. Cada um tem que encontrar um caminho que funcione mais, que dê certo pra cada artista.

Rump – Tudo o que eu preciso
http://raps.podomatic.com/enclosure/2008-11-07T09_36_46-08_00.mp3″

2 Respostas

  1. Thiago

    gostaria de saber como posso baixar o cd do Tiago rump? fico na espera outra observação muito boas as rimas fina mesmo. abraço

    novembro 24, 2008 às 14:55

  2. Thiago,

    Você pode dar o download no blog do próprio Rump: http://www.rumptiago.blogspot.com/

    Abraço.

    novembro 24, 2008 às 15:13

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